Ahora juguemos a desaparecer, Carlos Garaicoa |
Por que você se preocupa com esses homens? Em seis meses eles serão enterrados em um porão e a primeira granada lançada através de uma claraboia porá fim a toda essa história. É todo o resto que conta. O mundo e o que você faz no mundo, os companheiros e o que você faz por eles.
Canoris, em Mortos sem sepultura (Jean-Paul Sartre).
Na tarde deste domingo nublado de outono, me detenho e penso, enquanto preparo o café, como foi bom ter trabalhado os conceitos de sociologia antes da vigência dessa pasmaceira toda, que paralisa e destroça moralmente o país. Não suportaria estudar Milton Santos, Celso Furtado ou Sérgio Buarque de Holanda com meus alunos, conhecendo a vil opressão intelectual que predomina, sem caminhos viáveis para escapar das profundezas desse precipício abismal que nos bordeja.
Se existia uma justificada alegria em estudá-los antes, era porque podíamos ir e vir nas ideias, acreditando que de algum modo um outro mundo era possível.
Os negacionistas hipócritas que tomaram o poder se assemelham em perversidade aos colaboradores da peça Mortos sem sepultura, de Jean-Paul Sartre. Agora que tomaram o proscênio agora circulam como heróis. São em grande parte uns canalhas, servem ao ocupante estrangeiro, e no caso presente, são articulados com o grande capital, que está aí para financiar a confusão civilizatória.
Os Clochets, Landrieus e Pellerins circulam em meio a banqueiros, magnatas, empresários, milicianos, que recebem e pagam para destruir projetos autóctones, para desinformar, para desestabilizar. Recuperam a autoridade do capitão do mato, e o que é pior, com uma função social devidamente reconhecida. Uma vez subordinados no infindável desejo por dinheiro e poder, as Lucies, os Canoris, os Henris perdemos paulatinamente qualquer constrangimento para abandonar os valiosos segredos históricos de nossa resistência, para naturalizarmos a miserabilidade de uma nação de joelhos.
A doutrina da especulação destroça o conhecimento e remunera os tolos de vida breve: os zumbis que sobrevivem ganhando hoje um punhado de dólares a mais, cumprindo tarefas anunciadas como empreendedorismo, amanhã estarão abandonados à beira da estrada, sem uma lembrança honrosa a preservar.
Quanto mais avançamos para o futuro, mais vemos o quanto nos distanciamos das distopias românticas de Wells ou Verne, para enveredar na lúgubre pedagogia bancária das corporações, de onde não há imaginação, nem tampouco regresso.
(atualizado em 01.06.2021)
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