24 maio 2021

A revolução chilena

 

O Chile que renasce com a nova constituição

As forças populares obtiveram uma vitória espetacular nas eleições para a Assembleia Constituinte, que emociona por seu peso histórico. E começa, bom que se frise, com a contundente derrota da direita, ou podemos dizer, do ranço pinochetista, que obteve apenas 37 das 155 cadeiras, menos de um terço dos votos. Nas eleições municipais, realizadas concomitantemente, perdeu em Santiago para a candidata do Partido Comunista, o que sinaliza que colherá nova derrota, agora nas eleições presidenciais no final deste ano. 

Alvíssaras! Poucos acontecimentos na política latino-americana poderiam ser tão generosos! Ainda me recordo do mal-estar de minha primeira visita ao Chile, três meses depois do plebiscito de 1988 em que o NO venceu com boa margem e decretou o fim da ditadura de Pinochet. Ainda era possível tropeçar em militares à paisana, como foi o meu caso, defendendo com energia o ditador. Seu fim apenas decretou o início de uma suave e pouco transformadora transição política. A vitória não seria coroada, ao longo dos trinta anos seguintes, com a efetiva presença no poder das forças populares. O pacto da governabilidade, a chamada concertación, optou por não restabelecer um estado efetivamente voltado para o bem-estar social, em que os direitos sociais, o acesso gratuito ao ensino, uma aposentadoria digna, fossem de fato restituídos.  

O mais espetacular talvez tenha sido a vitória dos movimentos que, há dois anos, convulsionaram o país. De lá para cá, fizeram o que muitos duvidavam, se organizaram ainda mais, com vistas à Assembleia Constituinte. Os candidatos independentes, a maioria progressista, conseguiram 48 cadeiras, tornando-se a principal força, enquanto 17 cadeiras foram conquistadas por representantes dos povos indígenas. Esses números indicam claramente um ponto final a esse Chile de linhagem pinochetista. Mesmo em minha última viagem ao país, em 2008, a presença do neoliberalismo urgia em cada canto - uma forte desigualdade da qual não eu desconhecia. O que senti foi uma situação estranha, a percepção de uma liberdade claramente restringida pela rudeza do sistema econômico, claramente desfavorável à população.

Agora se nota claramente uma mudança completa no astral político do país. Torço muito para que o Chile retome e mesmo ultrapasse a beleza e a participação da Unidade Popular, há cinquenta anos. Em um aspecto os progressistas de hoje levam vantagem: demoliram cabalmente a estrutura granítica de uma direita retrógrada, que sempre esteve presente e que, desde Pinochet, não deixou de ser dominante. Viva o Chile!!

### 

Em duas semanas, as eleições presidenciais do Peru, cujas pesquisas apontam a vitória do candidato de esquerda, o professor Pedro Castillo. Não sei o que isso pode significar, pois outras candidaturas mais à esquerda no passado naufragaram diante do poder econômico. De todo modo, sua vitória significa a derrota de Keiko Fujimori, esta sim, uma autêntica representante da direita mais conservadora e autoritária. 

Aguardemos.



Nenhum comentário: