15 maio 2021

Terra Devastada, a peça

 

A propósito do drama palestino

O sol retorna, um pouco tímido entre nuvens passageiras, Moniquinha tomou a primeira dose da AstraZeneca, a mesma que tomei há uma semana, anteontem uma pesquisa acachapante do Datafolha coloca Lula com 55% contra o capitão desgovernado, que soma 32%. Ouço um saboroso mix de Pet Shop Boys, quem diria, música efervescente, alegre, para comemorar as boas notícias, em uma paisagem de destruição social e econômica. Destruição que ocorre neste momento em Gaza, mais de 100 mortos em poucos dias de intenso bombardeio israelense, o horror de volta. Essa tragédia me convoca a prosseguir e quem sabe concluir minha peça em dois atos, Terra Devastada, sobre o martírio da Palestina.

Vou e volto com esta peça, que originalmente possuía um ato e não passava de meia dúzia de páginas. Agora ela tem esse projeto de crescer para o tempo atual, que parece relatar mais do mesmo, violência e destruição contra o povo palestino. Lá atrás, quando saiu, foi vencedora de concurso, e já há algum tempo tento dar a continuidade natural, baseada no personagem Hassan, fio condutor entre dois tempos, dois acontecimentos trágicos, Sabra e Shatila, nos acampamentos palestinos em Beirute em 1982, e o ataque de 2014 a Gaza, a operação Chumbo Fundido. 

O problema é que a cada vez que a retomo tenho uma ideia de organização e continuidade. Recentemente optei por acrescentar as designações em árabe para os termos referentes à cultura palestina. A peça em 1986, apenas um ato quando concluí a primeira versão, era exageradamente “ocidental”; agora, um pouco mais extensa, com a inclusão do indispensável segundo ato, se vincula mais a um contexto palestino, ou pelo menos me esforcei nesse sentido, ao pesquisar a realidade cultural palestina.

Neste momento do desenvolvimento, procuro escrever um roteiro consistente para o segundo ato e ao fazê-lo, inevitavelmente tenho de reorganizar o primeiro. Por exemplo, a peça ganha a introdução nos dois atos de uma dança típica palestina, o dabke, quase uma peça dentro da peça, onde um kawil masculino inicia uma dança que longo envolve os personagens do primeiro ato enquanto declama a poesia de Mahmud Darwish, enquanto uma kawil declama Fadwa Tuqan com os personagens do segundo ato.  

Surgirá uma dificuldade aqui, em adaptar a poesia a uma dança, com os próprios personagens, que ao final se dispersam para a coxia ou para seus lugares no palco, um exercício de distanciamento brechtiano. Em um momento anterior, uma voz narrará os contextos das situações históricas vivenciadas em cada ato. Há um projeto em definir cenas em dois planos, a dança gradativamente tomando lugar no fundo obscurecido até desaparecer, enquanto a peça passa em primeiro plano.

O primeiro ato está concluído; já produzi duas laudas de roteiro para a escrita da segunda parte. Falta abandonar a preguiça crônica que me domina desses dias, semanas e meses.


A primavera que foi, Ismail Shammout, 1966



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