26 setembro 2020

A famigerada 'ponte para o futuro'

 

A considerar sua luta, ele faz falta


Uma das falácias que estruturou o discurso da derrubada de Dilma Rousseff e, consequentemente, do PT, foi a de que era imperioso eliminar a corrupção, desentravar a economia e com a abertura para novos investimentos estrangeiros, construir as condições para o desenvolvimento, o que se denominou "uma ponte para o futuro". Os personagens públicos que repetiam esse mantra, enquanto tomavam providências para a mudança forçada no poder, não eram propriamente pessoas merecedoras do cheque em branco que parte da sociedade lhes entregava, era gente conhecida de outros invernos, de caráter duvidoso e confiabilidade rasa, mas que, dentro da imensa engrenagem montada, adequaram suas falas e comportamentos para vender esperança. 

Por trás dessas falas e comportamentos não havia garantias: tratava-se das mesmas hienas que em épocas passadas tinham surfado em ondas gloriosas que rebentaram nas areias, sem perder a sanha por carne manipulada. O que fizeram, mais uma vez, foi cuidar de seus interesses pessoais - a honra que se dane - e aproveitaram por algum tempo as circunstâncias positivas para esse propósito. Logo esqueceram da parcela menos favorecida do país que os acompanhou, ao destroçarem os direitos trabalhistas e em seguida os direitos previdenciários. A "ponte para o futuro" ficou no passado, mais precisamente em uma zona nebulosa de esquecimento, não mais sendo aventada por quaisquer dos agentes golpistas. 

Na verdade, com Michel Temer, ela nunca passou de um esboço no papel, para ser utilizado como aríete pela mídia corporativa em sua função de propagandear as delícias de uma nova era gerenciada pelo mercado. Ela encarnou por um tempo o símbolo do que Bourdieu um dia definiu como "o retorno a um tipo de capitalismo radical, sem lei a não ser a do benefício máximo". Ficou o rastro um vago sentimento de meritocracia, que sempre existiu e nunca vingou.

Se o discurso da ponte para o futuro não funcionou, como é possível compreender que tenhamos chegado a esse ponto, com quatro anos de precarização trabalhista, perdas salariais, corrupção política em alta, destruição da natureza, pauperização do ensino público, subserviência diplomática completa, dentre outras tantas ações destrutivas? Se não compreendermos que esse novo tempo prescinde dos discursos revolucionários de boutique, mas ao contrário, solicita um engajamento renovador na batalha das ideias, por certo a sangria continuará e levará o tecido social a uma condição bem próxima da inanição, onde o socorro anímico sobrevirá da satisfação dos indivíduos se assumirem como míseras peças da engrenagem, "sem sonhos e utopias", promovido pelos verdadeiros donos do mundo.



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