19 setembro 2011

Pais, filhos




Entraram conversando, de braços dados, o filho, na altura dos cinquenta anos, e a mãe. Ele vinha em busca de um livro, e por isso pediu para ela sentar-se e esperar um pouco. Houve um movimento prolongado, o movimento vagaroso da acomodação no sofá, ela sentando-se cuidadosamente, apoiada nos braços do filho. Por fim, a mãe sorriu, estava bem instalada, poderia ficar o tempo que fosse. Ele se afastou em busca de seu livro, permanecendo o sorriso da bela senhora, que foi se apagando, até que a vivacidade de sua expressão desse lugar à inquietude. 

Foi como se ela, uma vez mais restrita ao seu corpo, se voltasse às rememorações pessoais. Ao som do piano de Hancock, os olhinhos pousavam suavemente neste ou naquele ponto do ambiente, e em cada pausa, uma vaga lembrança repassada. E assim foi por um tempo, até o regresso do filho, com o livro na mão. Então, como se despertasse do transe, ela estendeu-lhe a mão. Novamente o semblante retomou um brilho reluzente, ela aprumou os passos e, antes de saírem da sala, vislumbrei-lhe a alegria de ter sido resgatada para o presente.

***

O casal de filhos adolescentes, na fila, com os pais. Em certa altura, o jovem desembaraça os abundantes cabelos do pai e os arruma com as mãos. Quanto carinho nos gestos repetidos, sob os olhares cúmplices da mãe e da irmã. Uma delicada demonstração de amor filial perdida no tempo e no espaço público.


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Mais uma vez o café, a inspirar uma narrativa. Desta feita, uma das atendentes de todos os dias, Luzia, que acabara de regressar de suas férias. Estava feliz, como sempre, ou um pouco mais, talvez. Em vez da viagem até Salgueiro, no pujante sertão pernambucano, ficou para receber sua querida mãe. Na conversa entrecortada, à hora do almoço, atendendo a inúmeros clientes, comentou que só lamentava não ter passado os dias bondosos na companhia da família, tios, primos, irmãos. Mas com a vinda de sua mãe querida, pode amenizar um pouco a falta, e saborear o bolo de milho caseiro.

No final da semana não a vi, e soube pelas colegas que a mãe falecera. Teve um mal súbito e isso foi tudo, não houve razão para escavar os detalhes. Ficou-me o que permanece nessas ocasiões, a imagem da dor inquieta, devoradora, que acompanhará Luzia pelo resto de seus dias.


  

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