30 abril 2011

Ernesto Sábato




Ernesto Sábato foi um dos três ou quatro autores que me emocionaram pela beleza de seu texto. Foi em Antes do Fim (1999) que senti sua pena serena mergulhar nos relatos da memória, em breves capítulos, e trazer o frescor dos anos de infância, o amor de sua querida Matilde, o abandono da promissora carreira de físico pela literatura, a dor da morte do filho Jorge...

Sempre o imaginei com seu olhar silente, solitário, redigindo com vagar os sentimentos que lhe tomavam a alma. Vi em Sábato um escritor que não desperdiçava palavras, e que não se incomodava em encarar os desafios da humanidade ao assumir um pensamento engajado.

“Somente aqueles que sejam capazes de encarnar a utopia, serão aptos para o combate decisivo, o de recuperar o tanto de humanidade que tenhamos perdido".

A pena desliza, e o vejo trabalhar pacientemente em sua casa, no bairro de Lugares Santos, entre uma visita ao jardim e um descanso, entre um olhar através da janela, pensando nos movimentos fúteis do mundo, e uma audição de Schubert.

"A gravidade da crise afeta-nos social e economicamente. E vai muito além: o céu e a terra estão doentes. A natureza, esse arquétipo de toda a beleza, transtornou-se".

Seus pensamentos nestas últimas anotações são livres, contundentes, desesperadamente orientados ao próximo. Ainda que duro no argumento, não se exime dos erros cometidos. Ao tempo em que se volta para os passos dados, utiliza o conhecimento trazido com os anos para inquirir o descaminho da humanidade, adoecida pela miséria da ganância.

"Aqueles seres modestos, esses analfabetos cheios de bondade, são os que me salvarão. Por outro lado, todo o resto, as precárias hipóteses, as ideias e teorias de ensaios, não servem para justificar a existência".

E apontando o olhar crítico à perdição neoliberal, escreve seu penúltimo livro, A Resistência (2000), onde expõe a defesa veemente do indivíduo que resiste em nome dos valores universais. Como se o olhar, ao longo de anos vividos profusa e profundamente, deixasse um rastro e permitisse com isso projetar uma recomposição saudável da existência humana.

“O homem da pós-modernidade está agrilhoado às comodidades proporcionadas pela técnica, não se atreve a fundir-se em experiências profundas como o amor ou a solidariedade. Mas, paradoxalmente, só se salvará se colocar sua vida em risco por outro homem, pelo seu próximo, seja seu vizinho, ou a criança abandonada no frio das ruas".

Sinto essa dor que me entorpece por um momento, um estranho desconsolo que será superado, de alguma maneira. Penso na beleza de uma existência quase centenária, que realizou-se à sua maneira, e que faz de sua retirada uma oportunidade para refletirmos sobre nossos caminhos.

"Quantas lágrimas correm por detrás das máscaras! Quanto mais poderia o homem chegar ao encontro de outro homem, o supremo bem, se nos acercássemos uns dos outros como necessitados que somos, em vez de nos mostrar fortes! Se deixássemos de nos mostrar autossuficientes e nos atrevêssemos a reconhecer a grande necessidade do outro, como mortos de sede que somos, quanto mal poderia ser evitado?"



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