05 junho 2010

Imagens que integram



para MR.

O documentário de Oliver Stone, Ao sul da fronteira, não pretende ser um modelo de documentário, não traz novidade estética, tampouco narrativa. Também é difícil compará-lo com os filmes anteriores do autor, de Salvador a Word Trade Center. Sua proposta aqui é simples, trazer a voz de dirigentes sul-americanos que promovem uma governança voltada para as bases populares. Simples assim. Foi preciso que um yankee nos visitasse com sua câmera e com uma idéia na cabeça, para captar o processo de transformação social que ocorre já há alguns anos em nosso continente e que não reverbera nas páginas de nossos diários, nem tampouco nas telas de nossos telejornais.

Stone foi sensível para os fatos que ocorrem na América Latina; entrevistou sete presidentes que promovem, cada qual a sua maneira, mudanças históricas na paisagem social de seus países. Começa com Hugo Chávez, o mais demonizado pela mídia hegemônica sulamericana, por ser o que promove as mudanças mais ousadas e radicais. Temos no início da filmagem cenas de telejornais estadunidenses que beiram o ridículo, em seu afã em descaracterizar o presidente venezuelano, com comentários risíveis.

Na sequência surge Evo Morales, os Kirchner, Fernando Lugo, Lula, Rafael Correa e, claro, Raúl Castro, cada um falando de suas experiências pessoais como estadistas, aspectos da suas observações sociais e dessas palavras é possível compor o mosaico da interação sociopolítica da América Latina, que ainda inclui o presidente Pepe Mujica, do Uruguai, e Daniel Ortega, da Nicarágua, ausentes do documentário. Como diz Cristina Kirchner, "são líderes que têm a cara de seus povos", e mais além, definem-se pela audácia nos argumentos, como mostra Correa ao se referir da renovação da base estadunidense de Manta, "não teríamos nenhum problema em mantê-la, desde que nos permitissem uma ação recíproca, abrir uma base equatoriana na Flórida"...

Prendo-me, como se pode ver, ao deliciamento dos discursos de cada um, proferidos de maneira bastante intimista, estabelecendo uma diplomacia pautada no respeito e igualdade. Nenhum deles se gaba do poder, nenhum deles esquece da população mais carente, oferecendo palavras de ódio ou desprezo para este ou aquele setor social renitente. Com esse comportamento objetivo, não fracionam a autoridade assumida, preservam a continuidade dos projetos de desenvolvimento sociais e ampliam os níveis de popularidade que cada um goza em seus países.

Por esse olhar completamente outro, oferecido por Stone, é que seu documentário merece ser visto. Alimentados diuturnamente pelo rancor e desprezo das edições midiáticas, perdemos a noção do quanto se está fazendo pela integração deste belo continente. Acabamos assumindo o comportamento incrédulo dos que torcem contra e não oferecem nenhuma ação construtiva em troca; permanecemos à deriva ao reiterarmos os pontos de vista de uma elite globalizada, ignorando a riqueza da diversidade histórica e cultural de nossos povos. Saí do filme emocionado em constatar que um outro mundo não só é possível, como começa a se edificar. O que falta é tomarmos consciência dessa realidade mágica, incorporando as responsabilidades de nossos desígnios.

E o final... a voz delicada de Carmen Miranda cantando South American Way. Nada mais sugestivo: forjarmos nosso próprio caminho, sem desconsiderarmos as relações com os que estão ao norte da fronteira.


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