04 junho 2010

Imagens que dissolvem


Em que mundo estamos? Uma pequena parcela, tão veloz e moderna, acelerou de tal modo seu esforço por transformações, que passa a interagir em sua realidade ficcional, produzida sem qualquer conexão saudável com a maioria, a grande parcela.

Não compreende que o mundo não se restringe à bolha em que está inserida - essa bolha de luxo e ambição - e prossegue almejando uma vida repleta de bens materiais, destituída de equilíbrio e amparada em um discurso obtuso.

Seus pregoeiros insistem em proclamar aos quatro ventos, e sob quaisquer circunstâncias, a proeminência do mercado, esse envoltório de fluxos e ações abstratas que resultou tornar-se a saída para o sucesso individual. Assim todos - e cada um a sua maneira - passam a ter o direito de explorar o outro, no intuito de agarrar o seu bem-estar.
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Mas nem todos saberão como ganhar, e aí entram os pregoeiros da ilusão sem fim. Uns alinham alguma sedução no discurso, movendo-o com habilidade a caminho do horizonte inalcançável. Aqui, o que importa não é o resultado coletivo, mas a expectativa individual, essa possibilidade de alcançar a felicidade (financeira), se necessário esmagando o que estiver por perto.

Já outros abraçam uma postura metafísica que confunde alhos com bugalhos, fazendo do discurso um conjunto de sabedoria e humildade etéreas, nunca definidas claramente, que nos conduza à pedra mais próxima do rio, para chorarmos as mazelas existenciais...
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Volto ao primeiro caso, a esses pregoeiros que proclamam eficiência, foco, resultado, sem se preocupar com as consequências do estar no mundo. Um programa televisivo que esgarça os limites do ganhar a todo custo é o Aprendiz, e o cito porque nesta semana o vi na íntegra (essa necessidade de conhecer a fundo o que nos é tão doloroso...), aqueles aprendizes de pregoeiros, futuros vendedores de qualquer coisa, a se engalfinharem na busca desesperada do prêmio, o milhão de reais, meta tantalizante que transforma seres humanos em marionetes desse trágico mercantilismo neoliberal...
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No programa, os aprendizes são divididos em dois grupos (nomeados com expressões em inglês) e recebem a mesma tarefa. Ao final, o grupo que se deu bem ganha mundos e fundos, passeios, presentes, sorrisos, tudo em um pacote, a prenda pelo sucesso alcançado. O grupo que se deu mal, vai para a sala de execução, onde o pregoeiro-chefe, auxiliado por dois capatazes, tratará de liquidar um dos fracassados. Essa dinâmica tem seus temperos, quando acompanhamos o massacre psicológico a que cada condenado, com a espada de Dâmocles sobre a cabeça e prestes a ser eliminado, submete o outro, numa girândola infernal e tecnicamente muito bem alimentada pelo pregoeiro-chefe.
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O espectador, além de acompanhar um processo de tortura sado-masoquista (ao que parece, um importante aprendizado no mundo alucinado do 'tudo é possível') que se renova a cada programa, tem a oportunidade de vislumbrar o brilho opaco da dimensão humana, em seu mais baixo nível. Tem a oportunidade de acompanhar, como ser moribundo, um exemplo de degradação da sua espécie. Séculos de riqueza cultural acumulada para que, ao fim e ao cabo, se dilua na ambição do capital acumulado...
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A felicidade alcançada não diz respeito a ninguém, exceto ao hipotético vencedor, que tendo o mundo tal como é (sem os artifícios espetaculosos que embasam a mentira), não passa daquilo que assentiu ser, um miserável oportunista.



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