18 janeiro 2009

O senhor Blanes




O rio, sempre muito presente. Fiquei horas apreciando suas águas, seu murmúrio contra as rochas, o vento soprando e soprando. E sua conjunção com o sol desaparecendo ao longe, sempre um espetáculo magnífico, completado por gente solícita aos forasteiros deslumbrados. Em Colônia, ao caminhar ao longo da vegetação costeira, acompanhando os trilhos remanescentes do antigo caminho de ferro, encontrei um senhor com seu cão. Perguntei-lhe aonde ia dar aqueles trilhos, ele me disse, Em Montevidéu e mais além... Entramos em uma inesperada e não menos bem-vinda conversação, ele se apresentou, Blanes, professor aposentado...

Vivia há mais de quarenta anos ali, em um pequeno apartamento, e atendeu-me a cada uma de minhas indagações sobre os trens, as viagens, as pessoas, como se dava aquele prazer. Foram minutos em que outra paisagem, esquecida no tempo, fora recuperada em seus mais singelos detalhes. Por fim, um pouco mais confortado, compreendeu que tudo tinha acabado. Ele me apontou para um pequeno prédio, que se insurgia em meio ao que seria o percurso natural dos trilhos, Veja, mesmo que quiséssemos retomar as viagens, seria impossível...


Olhando o entorno, nada me remetia ao saudável movimento de uma estação final, mas ao persistente fragor das marolas a rebentar próximo dali. Como uma consequência fortuita dos fatos, a natureza das cercanias fora preservada, oferecendo a Blanes e seu cão a caminhada ao longo do rio, ao abrigo das sombras das árvores.


Cumprimentei-o e segui meu trajeto, envolto pelas palavras ouvidas, a memória viva e seu milagre em recompor as cores de um mundo apartado. Uma nesga de resistência, antes que a realidade, no caso a paz suave e aconchegante, se restabeleça em sua continuidade esmorecida. Os versos de uma antiga milonga me acudiram,


Volvi por caminos muertos
Volvi sin poder llegar
Grité con tu nombre bueno
Lloré, sin saber llorar.

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