29 abril 2022

Papéis perdidos

Berlim Potsdamerplatz, 1991

"Há anos já tinha experimentado esse exercício de nomear um conto e desenvolvê-lo de acordo com as suítes/faixas de um LP. Foi com o H to He, ou, do Hidrogênio ao Hélio, de Van der Graaf Generator. Embora não apoiado nas letras, entendi que o texto deveria ser uma ficção científica, envolvendo-me pela instigante melodia, pelos movimentos suaves das composições. Parece que a experiência funcionou satisfatoriamente, pois quando enviei o conto ao tradutor português de uma biografia de Peter Hammil, o líder da banda, ele me respondeu que gostou, e que podia perceber um pouco da cidade de São Paulo. De fato, o personagem principal derivava de modo errático pela cidade, por um mal-estar gerado pela droga que lhe administraram. Foi esse um breve momento de minha vida em que acompanhei com interesse o grupo e seu líder, um cara com ideias interessantes a respeito do mundo. Sobre o texto, que infelizmente acabei destruindo, tratava-se de um personagem que chegava de uma longa viagem de ônibus e, por alguma razão que não me recordo, era vigiado/observado por um cientista, para seus experimentos sociais. Havia um grupo que monitorava o sujeito, a serviço do cientista e, ao final, quando um desses assistentes se decide rebelar com a experiência, ele acaba tornando-se a cobaia. Havia dois aspectos narrativos interessantes: (1) seu desenvolvimento se deixava modular pelo ritmo das músicas e, (2) o personagem principal desaparecia antes do final, com o foco narrativo mudando completamente. Era um texto longo, umas boas quinze laudas, foi escrito ainda nos anos 1980 e destruído nos anos 1990, quando em um acesso de purificação do estilo, lancei ao lixo vários textos “alternativos” ou experimentais. Uma tremenda bobagem, bem noto hoje".

(de Diários de Viagem, 2009-2010)



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