27 fevereiro 2022

Eduardo Galeano, una poesia más

 

Eduardo Galeano (1940-2015)


Janela sobre a memória

Sob o mar viaja o canto das baleiras, que cantam chamando-se.

Pelo ar viaja o silvo do caminhante, que busca teto e mulher para fazer noite.

E pelo mundo e pelos anos, viaja a vovó.

A vovó viaja perguntando: 

Quanto falta?

Ela se deixa levar desde o telhado da casa e navega sobre a terra. Sua barca viaja até a infância e o nascimento e antes:

Quanto falta para chegar?

A vovó Raquel está cega, porém, enquanto viaja vê os tempos idos, vê os campos perdidos: para lá, onde as galinhas põem ovos de avestruz, os tomates são como abóboras e não há trevo que não tenha quatro folhas.

Cravada em sua poltrona, bem penteada e bem limpinha e engomada, a vovó viaja sua viagem de volta e nos convida a todos:

Não tenham medo - diz - Eu não tenho medo.

E desliza suave barca pela terra e pelo tempo.

Falta muito? - pergunta a vovó, enquanto se vai.


(Tradução do poema original em espanhol, Ventana sobre la memoriaBuenos Aires: Siglo Veintiuno, 2010).



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