Eduardo Galeano
(1940-2015) |
Janela sobre a memória
Sob
o mar viaja o canto das baleiras, que cantam chamando-se.
Pelo
ar viaja o silvo do caminhante, que busca teto e mulher para fazer noite.
E
pelo mundo e pelos anos, viaja a vovó.
A
vovó viaja perguntando:
Quanto falta?
Ela
se deixa levar desde o telhado da casa e navega sobre a terra. Sua barca viaja
até a infância e o nascimento e antes:
Quanto falta para chegar?
A
vovó Raquel está cega, porém, enquanto viaja vê os tempos idos, vê os campos
perdidos: para lá, onde as galinhas põem ovos de avestruz, os tomates são como
abóboras e não há trevo que não tenha quatro folhas.
Cravada
em sua poltrona, bem penteada e bem limpinha e engomada, a vovó viaja sua
viagem de volta e nos convida a todos:
Não tenham medo - diz - Eu não tenho medo.
E
desliza suave barca pela terra e pelo tempo.
Falta muito? - pergunta a vovó, enquanto se vai.
(Tradução do poema original em espanhol, Ventana sobre la memoria, Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2010).
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