04 fevereiro 2022

As derrotas de cada dia

 

Día de los muertos, S. Eisenstein

Foi um período tumultuado e acrescento, doloroso. Não mais de seis anos, mas que fraturaram a estrutura social, política, econômica e cultural, para ficarmos nessas áreas. Um horror. Ontem, o ministro do STF, Luis Barroso, afirmou para quem queira saber que "a justificativa formal (para o impeachment) foram as denominadas "pedaladas fiscais", embora o motivo real tenha sido a perda de sustentação política". Há aqui pelo menos dois pontos a considerar: primeiro, onde está previsto em nossa constituição que um governo 'com perda de sustentação política' mereça ser impedido? E tal impedimento, para quem acompanhou o processo, foi um ataque voraz, concatenado por diversos setores da sociedade brasileira, envolvendo diversas instituições, da mídia patronal ou corporativa, ao Congresso, passando pelas hostes endinheiradas da avenida Paulista - a Fiesp, e pelo judiciário do país, tendo o juiz-promotor Moro na ponta de lança e, como tropas de reserva, a serem utilizadas onde fosse necessário no front, o próprio STF, que na época se "apequenou", para utilizarmos uma expressão do Lula.

Em segundo, a afirmação coloca a nu o esforço retórico, sob o comando dessas instituições, que fez com que toda uma nação acreditasse na lenga-lenga das pedaladas fiscais. Cheguei a acompanhar debates televisivos em que juristas, economistas e deputados se esforçavam para convalidar o argumento. Sabíamos, os de boa índole, ou os legalistas (constitucionalistas), que algo não cheirava bem, e que toda a orquestração tinha como propósito derrubar Dilma, retirar o PT do poder - achincalhando-o da maneira mais vil - e posteriormente prender Lula. Nesse sentido, a Lava Jato, instituída no início de 2014, funcionou como um para-raios que absorvia toda a razoabilidade da ordenação jurídica, com vistas a alcançar seus propósitos. Com mão de ferro condenou, processou, incapacitou, tornando-se a única voz a deliberar e executar mandados judiciais. O Vichinski contemporâneo gostava de aparecer e mostrar seu poder. A tal república de Curitiba se forjou em torno da farsa e a partir dela outros promotores surgiram dos ralos para brandir o bastão da lei e da ordem, segundo seus princípios. E chegaram a ameaçar um fundo com recursos advindos de punições contra a Petrobras. 

Felizmente esse período de terror sem controle, sucumbe em parte ao peso da legislação em vigor, e por outra parte à incompetência dos agentes alucinados, que ao final das contas, regressaram ao ponto de partida da sua aviltante estupidez. Significa dizer, há um silêncio moribundo emanado desse desgoverno - fruto direto dos arroubos da canalhice desses anos - em que poucos ousam confrontar, pelo menos por ora. Ontem, foi a vez de um dos ministros do Supremo Tribunal Federal. É possível que se empurre com a barriga esse estado de letargia, de frustração ética e moral, até outubro, quando, ao que tudo indica, a custosa ação criminosa, hipócrita e irresponsável dessa classe dominante, será por fim suspensa, com a eleição de um novo governo de matiz popular. Já lambendo as feridas, as classes menos favorecidas contabilizarão as perdas do período, sem a certeza de que conseguirão recompor os direitos subtraídos e recuperar plenamente o poder político e econômico. Todos esperamos que sim, que isso possa ocorrer, ao custo da prisão dos saltimbancos criminosos e que ao fim, possamos bradar nossa voz a plenos pulmões, e pleitear com vontade, com muita gana e com tanto atraso, a justiça social que de fato nos represente.  



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