O modo como fui apresentado a Robert Walser foi absolutamente incidental, em um lugar próprio para descobertas literárias: um vagão de metrô em Paris. Pelo menos até há dez anos, era comum ver as pessoas passar o tempo da viagem lendo, em circunstâncias as mais diversas, sentados, de pé, empoleirados um nos outros durante os horários de pico. Sempre curioso, observava a capa dos livros lidos e chamou-me a atenção um jovem adolescente lendo um autor chamado Robert Walser, que desconhecia por completo. Ele não desgrudava os olhos da leitura, então fixei-me no título, Nouvelles du jour.
Busquei um exemplar e logo encontrei numa livraria. Trata-se de uma compilação em formato de bolso (essas maravilhosas opções baratas que encontramos em editoriais pelo mundo) de histórias curtas, "quelque chose d'expérimental et de prudemment tâtonnant". A leitura dinâmica que realizei na ocasião me aproximou do estilo daquele autor desconhecido, que se acercava de maneira bem peculiar das situações prosaicas do cotidiano. Poucos anos mais tarde, encontrei em uma livraria portenha um exemplar em espanhol de Walser, que passou a me acompanhar nas andanças do dia a dia, e que acabei esquecendo em uma sala de aula de Córdoba.
De lá para cá, o nome de Robert Walser assumiu seu lugar de destaque em minhas simpatias literárias, sem que me aproximasse do livrinho em francês. Fiz umas poucas leituras de sua biografia, contextualizei sua vida no período histórico em que viveu, curioso em desvelar o método de escritura, as inspirações temáticas, as preocupações existenciais. Escreveu em diversas revistas alemãs e suíças, sua escritura singular foi apreciada por Benjamin, Hesse, Musil, dentre outros.
Duas coisas em comum com Kafka, que também admirava seus textos: teve um editor e mecenas, Carl Seelig, que cuidou da divulgação de sua obra para o mundo. Walser passou mais de vinte anos em um sanatório, levando uma vida discreta, mais preocupado com os passeios pelas cercanias da clínica, restringindo sua escritura a textos epistolares, cartas redigidas para as irmãs Lisa e Fanny.
Abaixo, com significativo atraso, faço um singelo reconhecimento a esse silencioso e modesto escritor, traduzindo a narrativa Nouvelles du jour, cujo texto original em alemão foi publicado na revista berlinense Die Weltbühne, em março de 1921.
Notícias do dia
Hoje, eu estou em melhores condições que antes, uso
um chapéu ultra chic, me comporto de acordo, pago minhas faturas
pontualmente e minha senhoria é mãe de duas garotas que se relacionaram com dois doutores em filosofia. Com o tempo, estes senhores, em busca de novas relações,
se separaram de suas esposas. Bah, a frieza e a infidelidade são horríveis.
Logo, o que há de novo? Recentemente, alguém deu
uma conferência sobre Dostoiévski, então, era sobre o tema do valor da
psiquiatria na sociedade. Um palestrante se pronunciou sobre o sectarismo, ele
era contra. No teatro, representaram Marie Stuart: nessa ocasião, eu revi a
senhorita Else Heims.
No restante, me senti muito bem, aqui em Berna.
Certamente eu não sou mais tão independente, trabalho em um escritório, ou
antes, em uma espécie de sala abobadada, computo toda sorte de velhas atas,
dossiês, cartas, relatórios, prescrições, estabeleço listas e tarefas que fazem
parte de meu serviço, o que considero bastante charmoso, mesmo quando devo me
esforçar um pouco mais.
O mais belo é que tenho plena consciência. De outra
parte, esta honrosa disposição jamais falhou comigo, que eu saiba. Acabo de
perder, infelizmente, um lindo dente são, o que por bondade não é um grande
infortúnio. Certamente, de agora em diante eu ando com a falta de um dente da
frente, mas continuo a amar o que faço, sobretudo à noite depois do trabalho, e
no sábado à tarde.
Toda a gente sai, confiante e saudável, o ar está
suave, pleno de aromas, e esqueço tudo, torno-me novamente aquele que sempre
fui, sou feliz e cumpro toda sorte de pequenos encontros agradáveis, pertenço
ao mundo e o mundo me pertence, e o mundo é vasto, e meu coração é tão forte,
embora não seja mais tão jovem.
Mas a juventude e a velhice, o que são elas
comparadas ao infinito da natureza, o que são comparadas a essa ideia
excitante e desse sentimento onde todas as mínimas diferenças se anulam?
(Tradução do texto em francês Nouvelles du
jour, da obra homônima Nouvelles du Jour,
Proses brèves II, Carouge-Genève: Éditions Zoé, 2009).
(Texto atualizado em 05.11.2021)