Montevidéu, 1989 |
Falei
hoje com a mãe, uma conversa sem muitas novidades, suas boas risadas no começo
e suas reclamações ao final. As dificuldades do convívio com meu pai sobressaem
em suas dores, chateações sem consolo, que perdurarão por mais algum tempo.
Sobre o pai, um distanciamento paulatino, a perda das lembranças, circunstância que se
processa menos chocante do que se poderia esperar. Isso me parece, no final das
contas, a parte mais triste: a perda das referências da vida. Já não é mais
possível contar com a autonomia de suas recordações, quando muito elas aparecem
fragmentadas, a partir de sugestões nossas sobre o passado. Uma nave à
deriva na imensidão do espaço. Ainda conta com a firmeza da voz, mas a
nitidez dos fatos se apagam e logo não será mais possível recompor as
histórias, do seu ponto de vista. Subsiste a boa memória da mãe, mas isso é
pouco perto do que já se teve. Em suma, os registros das nossas narrativas se dissipam, perdem a fortuna do seu encanto. Tornam-se poeira cósmica,
ganham outro sentido ao diluírem-se na magnífica, porém inescrutável, constelação da História
coletiva.
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