01 abril 2021

O amargo pesadelo


Quadro de Linha Geral, S. Eisenstein

Nada mais trágico do que a consciência perceptiva de um Brasil bruscamente interrompido naquela jornada de 1. de abril de 1964, golpe cívico-militar indecente, estudado e discutido à exaustão. Dali a poucos dias, a máquina devoradora de sensatez se pôs em movimento, e não mais parou de cassar e prender a inteligência brasileira, os políticos, os juízes, os estudantes, os trabalhadores, dobrando-nos sem pejo aos interesses forâneos, e voraz, ao arrancar-nos o direito a sonhar com nossos verdadeiros desígnios de seres livres, no ritmo de nossos próprios passos. O livro de Jorge Ferreira, João Goulart (Civilização Brasileira, 2011), nos oferece um excelente olhar retrospectivo que nos conduz, tragicamente, a esse momento de nossa história, de consequências irreversíveis, como demonstram os desmandos políticos que tiveram lugar a partir de 2016. 

Abaixo um extrato da análise fria de Goulart, diante da consumação dos fatos:

A possibilidade de resistência era nula com a adesão da maioria dos contingentes das Forças Armadas, dos principais governadores, do Congresso Nacional e da imprensa. No entanto, se Jango propusesse a resistência e, no caso de ela se realizar, possivelmente o país enfrentaria uma guerra civil. Setores das Forças Armadas aliados a civis tentariam algum tipo de luta. A intervenção militar norte-americana agravaria ainda mais a crise, com a possível divisão territorial do Brasil. Qualquer tipo de resistência provocaria derramamento de sangue. 'Mas esse sangue a ser derramado', garantiu Jango no exílio, 'seria o de civis', não o de militares. Em sua lógica, 'lobo não come lobo'. (...) Para ele, era inadmissível levar adiante uma luta em que civis morreriam, enquanto os militares se preservariam. Além disso, continuou em sua avaliação, 'Até que ponto poderíamos resistir? Onde obteríamos recursos e o combustível imprescindíveis? Os entreguistas do Brasil já estavam garantidos ao receberem o apoio dos Estados Unidos. Só os civis seriam as grandes vítimas. E esse é um povo maravilhoso, independentemente de sua convicção política. Eu não teria esse direito. Nem gostaria de arcar com essa enorme responsabilidade, que contraria meu foro íntimo'.



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