04 abril 2021

Balbúrdia programada


Há exatos seis anos, à borda dos trágicos acontecimentos que tomariam lugar na cena política brasileira, escrevi nas minhas páginas das redes digitais o seguinte texto, ilustrado pela imagem que encabeça a postagem:

Palpite é o que abunda na contemporaneidade fragmentada. Palpites sobre as cotas, bolsa-família, diminuição da maioridade penal, comunistas, até sobre depressão. A sanha presuntiva nunca esteve tão em alta, em tamanha gama de palpites descontrolados, enviesados. São neocons que avacalham com o mundo, odiojornalistas que implodem com a mediação, fundamentalistas que acabam com o fundamento, filhotes que anseiam a ditadura... O mundo fica mais confuso e barulhento, tomado por esses neomercadores que no afã de apregoarem suas mercadorias, disseminam a futilidade com impressionante competência.

Considerando a realidade cotidiana então descrita sem qualquer pretensão acadêmica, mais como um desabafo marcado pela dor e revolta, hoje transcende a mera impressão dos fatos e evidencia os mecanismos da desgraça anunciada, os palpiteiros profissionais e amadores assumindo o proscênio, decretando o fim do rigor científico; os neocons não apenas liberais, mas racistas; o jornalismo de cativeiro sem qualquer responsabilidade; o fundamentalismo ideológico e também religioso, muito para além da liberdade de mercado; o afã de se reviver os descaminhos da ditadura; o ruído exacerbado de fariseus para exarar suas frustrações... 

Em outras palavras, ao meu ver vivemos hoje as consequências daquelas palavras, que sem qualquer desejo de futurologia, expressam que algo muito grave estava em claramente em curso. Mesmo o sentimento de balburdia descontrolada me parece hoje, muito ao contrário, uma balbúrdia programada para que tudo desse errado, ou ao menos naquele governo.

Tal como a obsolescência programada dos materiais, que surge como estratégia do mercado para que o consumidor seja forçado a adquirir novos modelos do mesmo produto, a balbúrdia programada pode, a cada dia que passa, ser facilmente constatada por pesquisadores e analistas em relação ao momento histórico em que vivemos. A enxurrada de palpites e bobagens foram disseminadas com o claro propósito de confundir as pessoas, no lugar de informá-las, e abrir caminho para um novo paradigma de informação, o das notícias falsas (fake news). 

O ano de 2015 foi o primeiro ano do conveniente atoleiro em que nos meteram. Seis anos não foram suficientes para a balbúrdia encontrar seu fim, ou ser suspensa pelos seus executores, os oportunistas dos logaritmos, os donos do poder enfiados em seus confortáveis (e ocultos) gabinetes, cuidando deste adorado latifúndio de exploração, embora as coisas comecem a ficar um tanto fora de controle.

Não sabemos o que virá nos próximos dois anos, onde muita coisa está prevista para acontecer. As vacinas que não chegam, a pandemia que se instala com mais de 3 mil mortes por dia, os empregos formais que se vão, a carestia que impede o consumo, o mercado indiferente, o desgoverno inconsequente (e não incapaz, pois certamente ele sabe o que significa o agravamento dessa balbúrdia), esse silêncio que ouço do lado de fora, em um domingo ensolarado de Páscoa. 

Nada parece se acertar no momento, porém tudo indica - e isso não é um exercício de futurologia, mas de quem se exauriu em meio a tanta balbúrdia - que ao cabo desses próximos dois anos, fortes emoções estarão em pleno andamento, como a destroçar a situação vigente, mas também a anunciar boas-novas. Nada que, considerando as leis da física e tomado o horizonte de acontecimentos, expresse além de respostas a tanta canalhice e a tanta ignorância tenebrosamente enunciadas.

(atualizado em 05.04.2021)



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