O desejo de tomar o primeiro navio |
Soube-se pelas imagens fartamente distribuídas que ontem à noite rolou a festança comemorativa da eleição dos presidentes da câmara e do senado, respectivamente, Artur Lira (PP de Alagoas) e Rodrigo Pacheco (DEM de Minas). A indicação dos partidos, ao lado dos nomes eleitos, é um mero e insignificante detalhe, tendo em vista a função política que ambos representarão a partir de agora, meras correias de transmissão das vontades do executivo, que por sua vez se acerta cada vez mais com os desejos do mercado.
Quanto às vontades
do executivo, parece um tanto lógico que ocorra, em virtude dos altos
investimentos em forma de emendas parlamentares, a serem liberadas aos nobres
congressistas aliados. De certo modo, uma festança dentro da lei, já que a
distribuição de tais verbas está prevista por lei orçamentária. O problema aqui foi os bônus especiais para aqueles de comportamento mais fiel. Talvez a canalhice maior
fique por conta não da mão que entrega esses recursos, mas das mãos que
gulosamente recebem, mesmo que para isso tenham de renegar o partido a que
pertençam e suas orientações programáticas, por mais vagas que sejam.
Mas a festança
ocorreu, e de tal modo que o vencedor na câmara teve o dobro dos votos do
segundo colocado, que há um mês, por ser um lídimo representante de um
consórcio denominado Centrão e ser ungido pelo então presidente da casa, Rodrigo Maia,
era o grande favorito. No senado, as coisas correram mais à sorrelfa, e o
vencedor venceu, segundo alguns meios de comunicação, de modo mais diplomático.
Sim, os meios de comunicação tradicionais cobriram com zelo e discrição o
jogo de faz de conta, mais atentos "ao cenário político e aos
desdobramentos futuros", descartando a festança das emendas.
Da festa oficial
e tolerada dos corredores do Congresso para o regabofe da noite, nos salões
apropriados para comes e bebes, música ao vivo e muita animação de uma
substanciosa parcela de parlamentares. Dos desvios oficiais e, digamos,
previsíveis, para os exageros imprevisíveis, com direito a presenças estranhas,
com comportamentos estranhos em comemorações estranhas. Alguns celulares registraram a transformação, de parlamentares oportunistas a infames indecorosos, que
assumiram seus impulsos de boçais sem qualquer escrúpulo.
Penso nos momentos
desse Congresso que, em diversos momentos de nossa vida cívica, representou ou tentou representar de modo apropriado os anseios populares, para os quais foi eleito. Posso recordar a votação do impedimento de Collor, em 1992, ou um pouco antes,
das Diretas-já, em 1984, derrotadas por um punhado de deputados governistas. E talvez haja um momento que sobressaia por seu poderoso significado simbólico, com consequências trágicas
para nosso país: a votação contra a concessão da licença para se punir o deputado Marcio Moreira Alves, em dezembro de 1968.
A pressão, por longos três meses, foi das forças armadas, foi do executivo comandado por militares, e não houve o que rompesse a soberania da Câmara dos Deputados. Não houve ordem que abrandasse o equilíbrio das análises jornalísticas ou que fizesse a outra instância do poder, o Supremo, afrouxar as rédeas da Constituição. Mesmo sob a ameaça das sombras, votou-se da única maneira que se podia votar, pelo estado de direito e em defesa da instituição parlamentar. Marcito foi salvo e no dia seguinte, mergulhamos nas trevas do AI-5.
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