Londres, 1989 |
Para Marx, a linha de produção tem a função precípua de alienar o trabalhador em relação ao produto final do seu trabalho e, consequentemente, do valor agregado como resultado de seu esforço. Em outras palavras, torna-se dono apenas de sua força de trabalho, gerando a plus valia ao patrão ou dono dos meios de produção. Contrapõe, então, que o objetivo deve ser exatamente o oposto, o trabalho como um processo de humanização do trabalhador, na medida em que se conscientiza do seu valor. A consciência política o difere da materialidade produtiva da máquina, e sua organização social consolida o processo histórico que culmina na luta de classes. Conforme descrito no final do Manifesto, torna-se indispensável (nos operários) "uma consciência nítida do antagonismo hostil entre a burguesia e o proletariado". Não há como negar esse precipício de diferenças, não há como fugir do embate que se coloca.
O problema está exatamente aí. Em nossos dias, acompanhamos o aprofundamento do disparate entre ricos e pobres, da absoluta insensibilidade política dos governos fundados no neoliberalismo em aprofundar as diferenças, ao eliminar os chamados custos de produção, incluindo os benefícios trabalhistas e previdenciários, conquistados após décadas de lutas renhidas contra o capital. No Brasil, uma parcela substanciosa da população desinformada - e alienada, na descrita por Marx - entrega-se ao jogo perverso das classes dominantes, submetendo-se aos discursos discriminatórios contra o bem-estar social, contra a humanização das relações de trabalho.
Em outras palavras, essa parcela entrega-se aos pretensos privilégios da individualidade, que são disseminados por esse discurso e aprofunda a competição desenfreada, eliminando (e não mais considerando) os direitos do outro. A violência discursiva é institucional, patrocinada por esse desgoverno, que assume o papel da bucha de canhão dos interesses corporativos e difunde a intolerância, o desprezo - e numa palavra mais direta, a ignorância generalizada. O conhecimento científico, como valor indispensável ao desenvolvimento de uma sociedade, é humilhado e ofendido por um punhado de imbecis que ilustram a futilidade, que sabem exatamente o que desejam e onde pretendem chegar.
A fragmentação em que estamos aponta para dificuldades adicionais em um futuro processo de retomada do senso crítico e de humanidade. O trabalho manipulador de um Steve Bannon rendeu um profundo enraizamento da tolice coletiva, que passa a descrer em valores e conquistas já consolidados, desde os mais subjetivos como a prática da política, aos mais alarmantes, como o direito à vacinação contra epidemias. A sapiência com feições de UFC fomentada por gente pretenciosa como Olavo de Carvalho, Bernardo Küster, Nando Moura, Arthur do Val, aprofunda o vale das tormentas por que haveremos de cruzar, antes de alcançar outra vez a luz civilizatória.
Mais de 180 mil mortes, quase sete milhões de contagiados pela Covid-19 não é suficiente para compreendermos com clareza os problemas da saúde pública no país. Uma onda de desinformação subterrânea desestrutura os canais de informação tradicionais, que tratam de informação científica. Estamos nessa encruzilhada. Gente com um mínimo de formação educacional, que poderia atuar de maneira decisiva nessa batalha, passa a reproduzir atos e palavras descabidas desse desgoverno, afinado com a necropolítica a qualquer preço. O histriônico capitão chegou a anunciar lá no começo, vamos primeiro destruir para depois reconstruir. O que quis dizer com isso tem mais a ver com uma espécie não catalogada de demência política, do que com alguma forma de projeto de governo.
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