31 outubro 2017

Sobre o sacrifício humano


Enquanto se estabelece um relativo silêncio nos principais movimentos e partidos de esquerda, os golpistas encastelados no poder agem sem qualquer restrição ética, preocupados não em estabelecer algum tipo de governança, mas apenas em eliminar os entraves para a tomada do país pelas grandes corporações internacionais, ou até melhor dizendo, transnacionais. O ensino superior sofre o desmantelamento de sua estrutura educacional ao ser paulatinamente absorvido por empresas estrangeiras, cito duas, Laureatis e Croton, que sem qualquer preocupação em oferecer qualidade, exploram as oportunidades existentes, misturando educação com mercado.

Na sexta-feira passada, assistimos à retomada dos leilões de áreas do nosso pré-sal com a participação de diversas empresas petrolíferas transnacionais, com o resultado final oferecendo uma contrapartida irrisória - R$ 6 bilhões, que no câmbio atual significam menos de US$ 2 bilhões. Seis blocos foram arrematados, com tímida participação de nossa agora enfraquecida Petrobras. Enquanto o presidente da Shell do Brasil afirma que “o pré-sal é onde todo mundo quer estar”, o governo golpista, com as mudanças regulatórias, abre mão de “enormes massas de recursos financeiros e produtivos e de sua capacidade de apropriação de parte importante da renda petrolífera gerada no pré-sal”.

O ataque golpista segue no congresso, com o encaminhamento de pautas que prometem cercear ainda mais a classe trabalhadora em seus direitos. Enquanto isso, grupos sintonizados com uma visão obscurantista de arte, grupos de difícil definição (neoliberais, proto-fascistas, fundamentalistas religiosos, ou um pouco de cada coisa) despejam nas redes sociais sua ignorância contra exposições que abordem de maneira livre o corpo, como se este devesse ser preservado para o sacrifício no altar do capitalismo tardio.

Na semana passada, como que articulados por esse estranho momento de ‘devoragem’ e emburrecimento cívico, o Condephaat deu sinal verde para a construção de duas torres em um terreno contíguo ao Teatro Oficina, tombado pelo próprio órgão em 1982. José Celso Martinez, em sua lucidez profunda pela preservação do território sagrado do Oficina, articula-se como pode nas redes sociais, com a arguição dos que apenas serão ouvidos pela história, iluminado em demonstrar a miséria do Capital e seus representantes, os "seres cifrões".

O ministério público (com letras minúsculas mesmo) solicita e uma juíza proíbe a apresentação de Caetano Veloso em uma Ocupação do MTST em São Bernardo do Campo. Simples assim. Qual seria o problema? De acordo com Caetano, “ser impedido de cantar não é bom (...) eu me sinto mal, dá a impressão de que (o momento em que vivemos) não é um ambiente propriamente democrático”. Temos o impedimento da fruição poética e musical em praça pública decretada de maneira tempestiva, a formular uma outra espécie de ação condenatória, o sacrifício para além do corpo, o sacrifício do espírito.

Com tudo isso, demonstra-se nesse tempo sombrio, regido por pouca inteligência e pelos vorazes interesses do Capital, os sinais do que Milton Santos qualificou de “alienação territorial”, em consonância com a espoliação gradativa do estado democrático de direito, tão bem analisado por outro de nossos indispensáveis pensadores, Fábio Comparato.


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