12 outubro 2017

Duas partes do todo


Duas coisas tocantes que emergem da vivência com a experiência popular. A primeira, hoje de manhã, enquanto uma parte da classe fazia as vistas das provas, um aluno isolado, Felipe, jovem morador de uma distante periferia realizava a segunda chamada. Ele não demorou e quando me entregou a prova, disse-me que estava feliz por ter identificado no filme "Povo Lindo Povo Inteligente" o Márcio Batista, um dos poetas entrevistados no vídeo, seu professor de educação física no ensino médio. E talvez mais bonito, ao falar da escritura marginal como forma de resistência, disse-me que também tinha identificado a cozinheira da escola pública onde estudou, que sem dúvida em razão de seu caráter estava presente no sarau 'para expor suas ideias e sua arte'.

Agora há pouco, em um momento de descanso, localizei no Youtube um trecho do filme "Peões", de Eduardo Coutinho, que apresenta uma série de depoimentos de trabalhadores ligados aos metalúrgicos de São Bernardo. Vejo a fala de Zelinha, seu orgulho imenso por Lula, tinha entrado com ele no sindicato, no mesmo mês de março de 1976, ele como presidente, ela como copeira. 'A coisa que mais desejo é ir a Brasília, se ele ganhar (o filme é de 2002) e servir um café no Palácio do Planalto para ele'. Quanta beleza e simplicidade. E brio, ao explicar que tinha salvo dos militares, quando da ocupação do sindicato, uma lata contendo um filme. Pediram para ela guardar e ela não perguntou, tratou de esconder em sua sacola, ao ir para casa. 'Se eles pegassem, acabariam com nossa história', disse algo mais ou menos assim. Na lata, o filme "Linha de Montagem", de Renato Tapajós.

São partes como essas que conseguem dar sentido e consistência ao todo.

(escrito originalmente em 17.06.2015)


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