Em meio ao desconsolo político, o alento da literatura latino-americana. Sempre me pareceu ser essa a função do nosso realismo maravilhoso, nos redimir.
Dela sigo me alimentando para aqui
denunciar os desatinos e malfeitos do Impostor Temer e seus Asseclas
fanfarrões, eficientes na prática do discurso efêmero.
-o-
"(...)
Cavalgaram meses por montes e vale, sem sede nem fadiga, até que encontraram um
caminho de ferradura que levava à província, baixaram, atravessaram a ponte,
inundaram a praça. Vendo aquela multidão, os guardas-civis fugiram espavoridos.
A multidão atravessou a praça e derrubou violentamente as portas azuis da casa
do Dr. Montenegro. Pálidos fugiam os maiorais, o próprio doutor escapou de
peça em peça, e foi perseguido através de um labirinto de salões imensos, uns
cobertos de neve, outros enclausurados pela selva, sempre cantando o apanharam
e trouxeram para a praça. Eram as três da manhã, mas um sol, um diamantino sol,
ardia. Os beleguins chamaram com cornetas todos os homens e animais da
província para julgarem o Dr. Montenegro. O Beleguim-mor vestiu-se de branco e
perguntou: 'Há alguém que não tenha sido insultado por este homem?' Ninguém se
levantou. 'Perdoa-me, não farei mais', soluçou o terno preto. O Beleguim
solicitou uma declaração dos cachorros. 'Há algum cachorro que não tenha
recebido um pontapé deste homem?'. Os cães imobilizaram os rabos. O Beleguim
insistiu: 'Há algum gato que não tenha sido escaldado por este homem?'. Os
velozes pássaros, as alegres borboletas, os vivíssimos tico-ticos e as
sonolentas cutias deram testemunho. Ninguém perdoou o doutor. Montaram-no num
burro e o expulsaram da província, entre músicas e foguetes".
(Trecho do romance Bom dia para os defuntos (Redoble por Rancas), de Manuel Scorza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. Trad. Hamílcar de Garcia).
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