Forja-se um mundo áspero, este, o do capitalismo, próprio para o comando das corporações. Mas o que deparamos no dia a dia, nas falas dos cafés, nos esbarrões da rua agitada, são seus pequenos agenciadores, que no afã de realizarem seus negócios, vendem seu caráter. Mal sabem, como dizia Sennett, que “as redes institucionais modernas se caracterizam pela força dos laços fracos”. Direto al grano, a lealdade institucional não passa de uma armadilha, onde os valores de lealdade e serviço pelos quais muitos ainda se batem estoicamente dentro de uma corporação, foram canhestramente substituídos pelo distanciamento e pela cooperação superficial. Não há longo prazo.
O
intelecto se esvai nas infindáveis urgências, criadas justamente para que não se
desenvolva a capacidade de reflexão, em sacrifício das emoções e dos sentidos e
como destacou Simmel, “nas relações racionais, trabalha-se com o homem como com
um número, como um elemento que é em si mesmo indiferente”, e abre caminho para
a discussão da economia pautada pelo dinheiro, isso lá atrás, há mais de cem
anos! Pois é desse mundo áspero a que me refiro no início, do capitalismo que
programa as cotas, esvai a alma, purifica a insânia da cobiça.
Ao
acompanharmos a marcha incansável das corporações, que em sua irrefreável
caminhada sacrifica o equilíbrio ambiental, como no recente descaso da Vale, o
equilíbrio institucional, patrocinada por interesses midiáticos e corroborada
pelas ações tempestivas de parcela do sistema jurídico, a conversa diária
promovida pelos pequenos agenciadores entre xícaras de café parece coisa
ínfima.
Na
verdade, trata-se do mesmo estado de presunção instalado no capitalismo da
pós-modernidade, níveis distintos de disputas que se destacam pela falta de
criatividade e que se esgota nos passos de sua arrogância. Em suma, não existe
um Dante que tema a visão do inferno: a racionalidade do sistema se limita a empreender
a ganância, sem uma Beatriz a inspirar e um Virgílio a conduzir. A tragédia,
pois, se realiza sem os requintes de uma epopeia, se transforma em um monturo
de dejetos materiais e morais ao se transpor os Portais.
Dos
monturos de objetos descartados nas arrumações da minha casa, remexi inúmeros
arquivos, ali reencontrando pequenas peças de inestimável valor. Uma delas,
minha transcrição do filme Umberto D., de Vitório de Sica, realizada há mais de
vinte anos, por ocasião de meus estudos de teoria cinematográfica. O importante
aqui me pareceu recuperar uma ambiência grave e condenada, amparada aqui e ali
pelo acolhimento. O sentimentalismo que certos analistas pós-modernos insistem
em condenar como algo espúrio, ou contraprodutivo na escalada empreendedora do
indivíduo, para mim reforça a luz que anima e embeleza a alma humana.
Retomar
a caminhada de Umberto Domenico Ferrari e seu cachorrinho Flaik reafirmam um indizível prazer, em meio a tantas tolices que se reproduzem desnecessariamente.
É possível acreditar na delicada persistência deste homem, cujos atos e gestos tentam compreender o seu mundo, o seu tempo.
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