23 fevereiro 2016

Memórias



Foi a segunda vez que propus um jogo de bilhar. Desta vez ele estava distraído, não esperava pelo convite e a surpresa não lhe permitiu caminhar com a mesma confiança de um mês atrás. Seu esforço pareceu maior em cada movimento até a mesa, e uma vez ali não apresentou a mesma destreza. Ainda assim venceu com sobras, sem que a contagem fosse a de um jogo oficial, mas simplesmente de bolas na caçapa. Caminhamos de volta à sua poltrona, onde se acomodou, exausto. Ficaram registros suaves de suas falas, dos gestos, estarei a pensar um pouco nisso até nossa próxima celebração. 

Enquanto ele manejava as tacadas, eu revolvia histórias conhecidas e a memória límpida tratava de recompor o tempo da juventude naquela cidadezinha distante, empoeirada. Ao final, foi um exercício divertido. A memória límpida capaz de refazer, ainda que com o corpo fatigado, os contornos de uma vivência. Em meio à sonoridade dos passos zelosos, lembrei de um lindo vídeo que assisti certa vez em Bilbao, sobre Miró. O documentário se encerrava às escuras e por uns breves minutos, apenas se ouvia o roçar dos chinelos de Miró, circulando pelo estúdio. 


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