30 março 2015

Palavras, silêncios



As coisas se ajeitam como possível, como num entreato sutil e imprudente. As aulas percorrem os trilhos dos semestres anteriores, sem qualquer transtorno na forma e no conteúdo, com pequenas, e diria gratas modificações, na recepção por parte dos alunos. Talvez seja meu desprendimento, minha atuação mais dedicada e apaixonada pelos temas, minha entrega na construção do imaginário, o certo é que eles se aproximam em uma atenção disponível e muitas vezes prazerosa para o que tenho a lhes dizer. São aulas as mais formais que pude produzir ao longo desses dezesseis anos de magistério, entro em sala, disponho o material tecnológico, respiro fundo e projeto ideias, com abordagens narrativas dos temas. Suspendo no intervalo e retomo a arguição na hora restante. Exposição pura do conteúdo, com a diferença de me empenhar performaticamente, em meio a uma densa relação descritiva dos fatos sociais. E parece funcionar. Não há reclamações e as salas, excetuando as de publicidade, costumam manter-se cheias, incluindo a de sexta-feira. A docência desse modo se desenvolve sem sobressaltos, serena e confiante ao longo das semanas. Restam dois meses cheios de aulas, e em junho, as avaliações finais. Não tenho mais a ansiedade em desejar o término dos semestres de modo prematuro, não existe mais o desconforto dos incômodos em sala de aula, com classes desatentas, insatisfeitas. Sinto-me gratificado em cumprir minha tarefa, e é tudo. Creio que seja um bom tempo para exercer a prática das teorias sociais, sem o temor da retórica esvaziada. Não espero recompensas, senão consolidar palavras no embate político, em meio à sua atual vertigem sinistra. Não alimento receios em ganhar o espaço das salas de aula, o debate com os educandos, apenas a educação praticada na real dimensão política dos fatos. A história se sobrepõe e com ela, a compreensão muitas vezes dolorosa da nossa formação social.
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Meus pais estão bem, permanecem em seu silêncio obsequioso. Jamais incomodam, e raramente nos últimos tempos me acionam por telefone. Normalmente era uma tarefa a cargo de minha mãe. Agora ela se volta integralmente à função de cuidar de meu pai, sem desespero. Seus gestos se estreitam ainda mais, tornam-se uma dedicada atenção. Resta-lhe uma consistente memória do que foram os tempos de paixão, de procriação, de consolidação. Agora, as circunstâncias oferecem uma experiência distinta, a da manutenção. E talvez por isso seu silêncio, porque ele requer uma intensa atividade que nada produz a não ser a satisfação do mesmo. É a minha vez de acioná-los, de visitá-los, de sorrir sobre as pequenas ações, de saber se está tudo bem. É o meu tempo de retribuir, do amor em forma de acolhimento, de palavras que expressam simples afeto e não se desperdiçam. A cada quinze dias eu os reencontro para uma jornada de poucas horas, cujo momento supremo é a mesa de refeição. Tudo muito rápido, sem a continuidade de outras épocas. Não há tempo para formular uma adesão que permaneça por outros quinze dias, e assim perco aos poucos o vínculo com os detalhes dos dias e das noites. Permanece o carinho atávico, esse não se esgota, condenado a tornar-se memória, e esta por sua vez condenada a desaparecer com o fenecimento físico. 



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