Uma voz, quase incidental, no meio da noite. Uma voz feminina
que se alternava com uma guitarra plangente, foi o que me despertou. A sutil
receita para romper a casca que separava meu sono do mundo real, da janela
aberta, das paredes do edifício, do lugar onde nascia a melodia. Deixei-me
levar pela crença de um sonho, que afinal de contas não durou muito, fazendo-me
órfão, munido de uma consciência não muito clara de minha condição.
Levantei-me...
... de onde surgira a voz, abruptamente interrompida? Da mulher dos gatos do
quarto andar?, de qual espaço, por entre os edifícios?... Três e quarenta da
manhã, ainda atarantado por retomar a realidade em meu cubículo, ou seria esse
o sonho aflitivo de uma vida abandonada?, sigo até a cozinha, um copo com água,
o corpo esgotado pela jornada desestimulante. O silêncio fez-se definitivo,
como parecia ser o mais indicado para o horário...
Nada
Nada de vida no edifício em frente, tampouco da rua, ainda
mais silente. Nenhum traço do que fora uma sonoridade sublime, tudo como que
diluído no espaço morto de uma noite de outono. Uma sensação sonambúlica, em
que a única certeza era a possibilidade de haver sentido uma voz lastimosa,
sugada pela indiferença do mundo...
Movimentei-me pelo apartamento, sem concentração para uma possível
leitura, sem disposição para sair pela noite. As notas da melodia que não me
abandonaram... os tons, os minutos, as horas... O rosto intangível,
esvaecendo-se. Aguardei um sinal, retomar a emoção efêmera... ausência
incorporada em cada objeto ao meu alcance. Esforcei-me por subtraí-la com
pensamentos fugidios... agora um copo e uma garrafa de vinho, larguei-me no
sofá, exangue...
Foi então
que adentrou o rumor da chuva, seu olor suave, refrescando-me o corpo quente e
úmido. O fundo negro da noite permitiu acompanhar a infinidade de gotinhas
despencando, agrupadas, tombando nas ruas vazias, descartáveis... nada mais
além disso... e de sorver um copo após outro...
na mornidão sem qualquer inspiração... nada que
pudesse aventar... ou
talvez alguma esperança...
o som do trólebus passando... a pista
molhada... outro gole...
o silêncio...
vazio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário