Donaldo retirou o dinheiro do caixa
eletrônico e sorriu, um sorriso nervoso, de quem tem um plano estabelecido para
aquela quantia sacada. Passou pelos seguranças da agência e, do lado de fora,
por dois componentes da guarda civil, que conversavam animadamente. Passou tão
próximo que seu coração disparou, e pode distinguir que falavam sobre futebol.
A informalidade e a distração dos guardas o recompuseram, permitindo que
caminhasse até o ponto de ônibus sem despertar suspeita.
Tomou o 174B porque estava menos cheio, podendo fazer a
viagem sentado. Olhava a paisagem com total indiferença e não se deu conta de
sua transformação, cada vez mais opaca e cinzenta. Pensava em seu plano,
questionando-se se encontraria com facilidade o homem acertado. Repassou
mentalmente mais uma vez o que faria, tentou sorrir pela segunda vez. Donaldo era um homem sério, conciso, com uma vida melancólica até ali. Esforçou-se por lembrar da
última vez que sorrira duas vezes num dia, pensou nos tempos da tenra infância como
possibilidade hipotética. Não gostava de recordar, aprendera a desprezar a
miséria humana e a sua vida tornara-se um interminável recomeçar. Agora que
estava próximo de um novo passo, concentrava-se na voz que combinara por
telefone o trabalho e o preço, tentando associá-la ao tipo de perfil físico mais
adequado.
Ao descer do ônibus, olhou para um canto mais afastado e
percebeu um homem de capa escura a ajeitar o chapéu, sinalizando para os fundos do
beco. As nuvens cinzentas se acumulavam nos céus, as lufadas de vento em forma
de redemoinho anunciavam a proximidade da tormenta. Cumprimentaram-se calados e Donaldo entregou
os dois mil tratados e mais uma foto, pedindo que agisse o mais rápido
possível. Até amanhã estará resolvido, foi a resposta do estranho, que desapareceu no meio da multidão. Donaldo obtivera boas referências do profissional,
mas o regresso seria estranhamente penoso, sem nenhuma dúvida quanto ao acerto
fechado, porém com a solene visão do desfecho a acompanhá-lo em imagens progressivamente dolorosas.
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