19 janeiro 2013

Presença de Walmor

Walmor Chagas como Carlos, em São Paulo S/A

Há pelo menos quinze anos associo a imagem de Walmor Chagas com sua personagem quiçá mais portentosa, Carlos, do filme São Paulo S/A. Quando saí daquela sessão de cinema do então Espaço Banco Nacional, aqui pertinho, estava inapelavelmente impregnado pela voz à deriva pela cidade, clamando para si mesma a urgência do recomeçar. Uma atuação elaborada, em diálogo (ao menos, do meu ponto de vista) com as linhas do pensamento existencial de Jean-Paul Sartre. O filme de Person tornava-se meu objeto de pesquisa, a narrativa cinematográfica tendo como fundo o cenário real que tanto amava, a cidade de São Paulo.
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Ainda hoje me deparo com a limitação dos resultados obtidos, sempre desejoso de recomeçar, de pensar uma complementação para esse projeto mal acabado, sem no entanto saber como. Um desejo diluído pela incerteza.  É como se a paralisia de Carlos - essa representação tão bem delineada por Walmor - me capturasse, fazendo-me alimentar dos ecos de suas idas e vindas, incertas, incoerentes, e arrastando-me para os labirintos indecifráveis de uma cidade igualmente transida, na inflexão de um novo momento histórico.
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Já não me recordo como, mas há poucos anos consegui o telefone do último endereço de Walmor, nas montanhas. Seria minha derradeira chance de formular minhas dúvidas e compreender o desvario de seu personagem, mas nunca arrisquei uma chamada. Tolo desperdício! Penso hoje que talvez me fosse penoso retomar um trabalho que novamente me prostraria pela entrega emocional, considerando a hesitação em lidar com a memória de uma espacialidade marcada por dolorosas transformações. 
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Quando a morte de Walmor me alcançou, nesta tarde-noite de sexta-feira, curiosamente me entretinha com uma leitura que dialoga com enunciados sartreanos, o contundente Pele Negra, Máscaras Brancas, de Frantz Fanon. Diante da fatídica notícia, repassei mentalmente as frustrações de Carlos, exercício que aprendi a desenvolver com alguma naturalidade, enquanto o imaginei vagando por uma São Paulo com sobrados e ruas de paralelepípedos. Também me deixei levar pelas incongruências da vida e da morte, por suas sorrateiras formas de nos surpreender.


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