17 agosto 2011

O fracasso da violência



Emma Martinovic foi uma jovem que sobreviveu à chacina da ilha de Utoeya, cometida por Anders Breivik, um xenófobo que levou às últimas consequências seu ódio pela diversidade humana. Em seu depoimento, que pude ler no sítio Ópera Mundi, ela explica como teve de lutar pela vida, e mesmo atingida pelo terrorista, nadou com muito esforço, enquanto ouvia os gritos dos amigos e a morte se disseminar brutalmente ao seu redor. 

Em meio a esse cenário pungente, a certa altura Emma diz que "era possível ouvir tiros, gritos e a risada, a inconfundível risada do desgraçado. Ele gritava e dizia que não escaparíamos".

Anders cumpriu o seu propósito otimizando com impressionante frieza o seu desempenho, ao alvejar cada uma de suas vítimas. A violência, sob um tosco rótulo ideológico, se consolidou com o escárnio típico dos que se consideram racialmente superiores, quando Breivik definiu o destino delas, estampando a risada inconfundível com hálito mortal. 

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A primeira referência que tive do termo 'tropas de choque', ou paramilitares, foi dos bandos que tomavam as ruas das cidades alemãs, vestidas de camisas pardas e denominadas de SA - Sturmabteilung. Eram bandos incontroláveis que produziam exatamente isso, choques com seus adversários políticos, arruaças brutas, propagando o gene do partido nazista, a mobilização pela violência. Como diz Modris Eksteins, "O viver perigosamente (do nazismo) significa não aceitar nunca o status quo; significa fazer constantemente o papel de adversário; significa exagerar, provocar. Significa conflito permanente". 

Foi em busca desse "conflito permanente" que os fascismos produziram terror e violência como forma de se impor. A glorificação da violência se reproduziu amparada na sedução estética, no passo de ganso ressoando pelas ruas, nos grandes espetáculos embandeirados, nos uniformes impecáveis, "O terror, como tudo o mais, foi transformado numa forma de arte. Os nazistas mais ardorosos se deliciavam com a estética do assassinato". 

O esvaziamento existencial proporcionado por tal engodo ainda preserva o poder de seduzir corações e mentes exacerbados em seu ódio indolente, estimulando o confronto com culturas distintas, sob um discurso intolerante e excludente, como o construído por Breivik. Conceitos confusos, para não dizer primários, que se acumulam com o mero intuito de justificar a violência, "Vendo a falta de coesão social do Brasil (...), é evidente que uma aproximação similar na Europa seria devastadora e retardante nacionalmente, sem mencionar que seria um grave crime (genocídio) em contribuir de qualquer maneira para a aniquilação, desconstrução e genocídio dos povos indígenas, que são nórdicos por definição". 

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Foi uma briga de crianças, ou antes, um embate em que um batia e outro que se deixava bater. Por alguma razão, resolvi confrontar o amigo, meus socos atingiam o peito e seus braços, enquanto o espicaçava com palavras duras. E recebia de volta o silêncio, o movimento de seus braços desarvorados, esboçando uma defesa. Átila era o seu nome.

Entramos assim em um longo corredor, e os outros amigos se amontoando ao redor, o jogo de futebol definitivamente esquecido. A certa altura, meus movimentos começaram a minguar e ao final do corredor, apenas encontrava disposição para empurrá-lo, quase que implorando para reagir. 

Átila não reagiu, nem proferiu palavra ou gemido, apenas resistiu. O mais doloroso de tudo foi cruzar com seu olhar, desarranjado na dor. Ao final, o encurralei contra a parede, sem tomar qualquer atitude. Seus olhos deitaram lágrimas amargas pelas gordas bochechas. A contenda terminava ali, em seus movimentos tão brutos, destituídos de expectativa. Uma sensação contraditória me tomou ao longo da ação, o prazer em golpear o alvo flácido, tão exposto, e a quase simultânea rejeição em continuar golpeando.  

O fato foi que nunca mais consegui a mesma amizade de Átila, e por anos a fio permaneceu a lembrança de seu olhar, que tardiamente compreendi como uma expressão de súplica. Uma súplica dolorosa, imersa em ternas razões, para que eu parasse o que estava a fazer.

Foi meu primeiro contato com uma espécie de violência gratuita, que me deixou marcas. Mais do que a reprimenda moral, subsistiu seu significado social: ela definitivamente me revelou a impossibilidade de me superar a partir da fragilidade do outro. Pela primeira vez me dei conta de que a agressão me faria sentir apenas vergonha de minha condição humana.  



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