17 julho 2011

Quando nos oferecem o que não queremos



Os dias de jogo da seleção brasileira costumam ser um martírio, e principalmente aos domingos. O que deveria ser um espetáculo a ser curtido, torna-se uma convocação para que todos, irmanados em uma corrente pela audiência, sejamos testemunhas de um novo objetivo a ser alcançado. O apelo às quartas de final se reduz à mera promoção do futebol negócio. Uma vitória, e mais dividendos se acumulam, o preço dos jogadores-mercadorias, os bônus da audiência, o bom humor do narrador-vendedor...

O produto, a partida de futebol, não precisa mais reluzir, nem ser atraente. O narrador-vendedor tratará de oferecer o espetáculo nos moldes de sua enfática exposição dos fatos. O importante não é o que vemos, mas o que ele apreende e nos oferece. O interesse residual dos espectadores se integra à acomodação da tarde de domingo, e assim o narrador-vendedor pode se esbaldar em seus artificialismos linguísticos. É assim que temos a formulação das pequenas e sucessivas hipóteses, montando um discurso irrefreável, de interpretações vagas para se chegar a conclusões vagas. Em outras palavras, enrolar com categoria.

A partida de futebol, de há muito, deixou de ser uma disputa saudável, para se transformar nesse produto cobiçado, onde gravitam especulações e interesses. Herança maldita da passagem desse Murdoch, que transformou, como disse o jornalista Paulo Moreira Leite "empresas de comunicação em grandes corporações, impessoais, sem perfil e sem história, dependentes e até associadas a grandes grupos financeiros".

É onde você, caro telespectador, é guindado à condição de consumidor presente-ausente, sem tempo ou disposição para avaliar o que se consome. O tom narrativo o envolve e o condena à poltrona, e a tudo assiste sem reação, movido pelo desejo, talvez, de que tudo termine rápido. E o espetáculo, vendido ao longo da semana pelo marketing como um momento reluzente, se transforma aos poucos em um nada. O relato não expressa a beleza intrínseca do fato, e se perde em seu marasmo.

As diatribes, o mal humor do narrador-vendedor procura nos incutir indignação. Indignação? Por uma derrota ocasional?... As explicações vagas tateiam por caminhos que não representam os anseios e a compreensão da coletividade, mas os impulsos personalistas dele, o narrador-vendedor. Em nenhum momento existe o adversário vencedor, que teve competência, qualidade... (outro problema do mercado na pós-modernidade, o não reconhecimento da capacidade do outro), e prevalece a lamúria pelo fracasso (do negócio). É quando nos damos conta que somos de fato uns otários silentes, pois nossa opinião não vale um cavalo manco, e o discurso se fecha ainda mais autoritário, prevalecendo sobre a notícia.

Paro por aqui, a análise pode tomar muitos rumos, mais densos, mais dolorosos para nós, transformados em consumidores sem voz. Como seria se recuperássemos a sutil qualidade de simples torcedores, ligados magneticamente na elegância de um fino espetáculo, sem ansiedades para nos conduzir o olhar? Esqueça, isso faz parte de um tempo superado pela dinâmica do mercado. O problema é que, ao final desse novo modelo de espetáculo, pouco sobra. O processo nos suga a alma e nos atira uns restos sem sabor. Viramos simplesmente consumidores de qualquer coisa, condicionados à alegria efêmera de uma conquista ou à dor fabricada de uma derrota. Nada mais que isso.

Retomo o início, os dias de jogo da seleção brasileira costumam ser um martírio, e principalmente aos domingos. Pois aos domingos, o ritual de alienação se renova para arrancar o que sobrou da nossa criatividade, da nossa indignação, evadidas aos bocados ao longo da programação semanal.


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