02 julho 2011

O imaginário que nos supre


Gedächtniskirche, 2010


O mês de junho passou sem que pudesse absorver devidamente as alegrias, e registrar as efemérides marcantes.

Histórias Invisíveis surgiu em uma prazerosa tarde de encontros. Muitas imagens me acudiram antes deste evento, a mais recorrente delas, a presença das nossas personagens se apresentando, sem qualquer cerimônia, na mesa do café, no escritório durante a escritura, nas ruas, nos cantos menos previsíveis. Desejavam, por minha intermediação, saltar para o mundo.

Já não se satisfaziam apenas com a representação nas histórias, almejavam o prazer da igualdade negada. Delicadamente, desprendiam-se do papel que lhes fora atribuído pelos autores, queriam sentir a naturalidade de flanar pelos lugares, sem permissão a pedir.

Ao imaginá-los tão próximos, eu fazia o movimento inverso deles, desprendendo-me da realidade.

Apaixonei-me com o imaginário enquanto durou. Acalentei repetidamente seus passos nas releituras das histórias, para deliciar-me com os hábitos imaginados de cada um, e trilhar o caminho que deliberamos escolher, em uma profusão de possibilidades. Pude, ainda uma vez torná-los vívidos, e me emocionar com o mundo ao redor.
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O mês de junho marcou também o décimo aniversário da morte do professor Milton Santos, esse crítico profundo do mundo em que vivemos.

Lembro-me que na ocasião eu vagava em meio às inúmeras dúvidas, por onde retomar o caminho dos estudos de pós-graduação. Girava em um torvelinho de ideias e projetos, e foi quando me decidi buscar a Geografia, que topei com um aviso simples, no quadro de avisos do departamento, anunciando seu falecimento.

Acalentava consultá-lo sobre meus projetos, e aquela notícia me fez sepultar todos eles, por algum tempo. Lembrei que semanas antes, atravessara o saguão, vindo do prédio das Ciências Sociais, e soube por um conhecido que Milton Santos proferia um seminário, em uma das salas. Pensei e disse para mim mesmo, "hoje não!", sem imaginar que seria a última oportunidade.
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Posso dizer que conheci mais profundamente as ideias do pensador Milton Santos depois de sua morte, nas minhas aulas de Comunitária, e no meu projeto de doutoramento. Nos anos de graduação, na Geografia, conheci o professor quase que intimamente, mas graças ao contato pessoal tão comum, pelo convívio nos mesmos espaços. Não fui seu aluno, e devo ter visto uma ou duas palestras, se tanto, mas tomava café na cantina, ao seu lado, observando-o e ouvindo-o, em toda a sua generosidade.

Em maio de 1988, quando ocupei de maneira bissexta a diretoria de cultura da associação dos funcionários da CEF, resolvi convidá-lo para uma palestra em nosso auditório, para falar da condição do negro em nossa sociedade, aproveitando os cem anos de lei Áurea. Até hoje sou capaz de imaginá-lo sorrindo para mim, em uma decidida recusa, sem usar da descortesia ou, mais admirável, sem dizer não.
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Também em junho, meu time de coração ganhou o tricampeonato da Libertadores das Américas. Em outros tempos teria comemorado fervorosamente. Hoje, diante do panorama mercantilizado e corrupto do futebol mundial, apenas me satisfiz com as boas lembranças de um passado mágico, quando o uniforme livre de anúncios e vestido por homens apaixonados pelo ofício maravilhavam o mundo com a graça de sua ginga.

Ainda hoje, causa-me especial comoção o imaginário das imagens da final entre Santos e Benfica, 1962, no Estádio da Luz. Aqueles deuses negros vestidos de branco, desfilando pelo gramado e fazendo gols, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
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A consciência imaginante apreende o irreal, revelando o imaginário. Nele, as coisas diferem da percepção do real, pois se definem na apreensão irrealizante do fato imaginado. Talvez isso explique e justifique algum excesso bondoso no registro das lembranças.



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