18 abril 2009

Sobre os Bourbons


O doloroso poder da mediocridade. Ela está aí, ao acesso de qualquer um nas bancas de jornal, nas televisões, nas salas de aula, por isso, nada de estranhamento, não é mesmo? É nesse mundo que sabemos do sucesso do choro de uma Paris Hilton, da audiência de uma Xuxa com as crianças, de noticiosos detonando a “marginalia” no espectro eletromagnético (e as renovações das licenças, não se discute isso!?). Tudo parece se resumir a essa pasta insossa, pegajosa, a razão de viver de todos. O belo não precisa encantar, ele se faz como uma referência estética inflexível e prevalece em seus contornos nórdicos, anoréxicos. A velocidade é outro aspecto padrão, que combina com a beleza na medida em que uma depende da outra para vender. Quem vende, ganha, e isso mobiliza o que se denomina mercado. É o que importa, danem-se os escrúpulos, como disse um dia um ministro militar. Bradford Marsalis, Giacometti ou Neruda nunca estiveram tão fora, não por inconveniência, mas por desconhecimento mesmo. Por isso, o jeito é saudar uma audiência de mais de 85 pontos no final de um big brother, intumescidos de batata-frita e coca-cola...

A praça ao lado prossegue vazia e desolada, perceberam? O local de encontro por excelência tornou-se um lugar abandonado ao tráfico de drogas, ou de refúgio dos miseráveis sem voz, e sabem por quê? Porque ela já não oferece segurança, e o que é pior, permite o convívio entre diferentes. A praça se condenou, mas não sua reprodução grosseira nos shoppings centers da vida. Ali, o espaço imaculado convive com sorrisos, imagens saudáveis. As pessoas sentem-se confortáveis para fazer uma única coisa: consumir, ou, atender o mercado em seus ditames mais recentes. Somos persuadidos a um carrossel sem fim, imposto por ele e seu desejo a expandir-se de modo irrefreável e infinito. Na verdade, nos soltamos às suas exigências e daí a sermos sugados, vai um nada. E nos tornamos um nada, normalmente captados por câmeras que nos controlam ou nos lançam ao fútil estrelato. Eis a sociedade do espetáculo em pleno funcionamento.


Nossa voz não está aí, em lugar nenhum. Não temos representatividade e somos condenados ao lugar-comum da miséria cotidiana. Quando a mídia surge para defender o direito à liberdade de expressão, é a sua (dela) liberdade de expressão que ela se refere. Quando perguntaram a Milton Santos sobre a democracia brasileira, ele simplesmente perguntou, de que democracia você se refere? E logo passou ao seu contundente argumento, de que apenas uma parcela ínfima da nossa população podia dizer que usufruía da democracia. Democracia como direito cidadão! Isso existe no núcleo funcional e aristocrático de cada metrópole brasileira, ilhas de prosperidade, de direitos iguais e liberdades iguais, vale dizer, todas as benesses de uma cidade global. Nas bordas dessas ilhas, a miserabilidade aguda, a cidade local, abandonada, dependente, fragilizada, sem voz. Como disse Paulo Freire, a sociedade dependente é uma sociedade semissilenciosa, suas classes dominantes não falam – refletem a voz imperial.


Em 1804 o duque d´Enghien foi julgado, condenado e fuzilado por conspirar contra o governo francês. A reação da realeza européia foi imediata, protestos vieram de todas as partes, expressando uma indignação: como tiveram a coragem de fuzilar um Bourbon? Para os nobres das cortes europeias, isso jamais poderia ter ocorrido, pela simples razão de estarem acima de qualquer suspeição. Seus atos e suas decisões não podiam ser contestados pelos comuns. E assim tem sido, os Bourbons seguem considerando-se intocáveis em pleno século XXI.


O problema continua sendo o Terceiro Estado. Abaixamos a cabeça e seguimos pelas veredas oferecidas, em vez de explorarmos as grandes alamedas da democracia, como imaginou Allende. A democracia tornou-se sinônimo de viver em paz. Como estar em paz, se a maioria vive das migalhas, nas condições de pré-revolução francesa? Negros, pobres, desempregados, este segmento social se acumula em nossas periferias, sem direito a justiça e participação social.


Em um mundo cujos acontecimentos transpõem fronteiras com tanta facilidade e em tempo real, falhamos na interpretação da massa informativa que nos é oferecida. Pagamos pela comodidade em sonhar os ideais dos Bourbons, feitos de carruagens e bailes suntuosos, quando deveríamos ousar em nossos ideais humanos. A consciência crítica sucumbe ao jargão do mercado, nossa vida deixa aos poucos de ser relevante para sobrevivermos como um produto sem alma. Ao nos satisfazermos com esse destino oferecido, o de apenas suportar o tédio, o preço tem sido pago com a nossa liberdade.


É tempo de entendermos que não interessa ser um Bourbon.



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