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O tosco argumento do radicalismo fascista |
Penso na brandura dos partidos de esquerda em nosso Brasil, o respeito pelo processo democrático e o desejo da disputa árdua, porém dentro das normas estabelecidas. Além do que, gosta de tratar os partidos de oposição como adversários políticos, e não inimigos, como os regimes de excessão cívico-militares na América Latina nos ensinou.
Alguém poderá me dizer que esqueço de Cuba, e respondo preservando uma linha de análise histórica, uma hipótese que pode ser discutida em sua amplitude, porém não descartada, que o regime cubano enrijeceu na proporção do enrijecimento das medidas político-econômicas conduzidas pelos EUA. Por exemplo, acredito que Cuba não teria abraçado o marxismo-leninismo se o embargo não tivesse acontecido. E aconteceu de maneira desumana. Os irmãos Castro não eram marxistas-leninistas, afirmaram isso logo no início, porém, após os primeiros meses da revolução, as ações diretas do Pentágono se tornaram gradativamente mais intolerantes, culminando com a tentativa fracassada da Baía dos Porcos, em abril de 1961. O legado de Eisenhower foi o plano da malfadada invasão; Kennedy o realizou e Johnson jamais pensou em rever o bloqueio estabelecido pelo seu predecessor. Daí para a frente, as disputas da Guerra Fria deram as cartas e quando ela terminou, nos anos 1990, emergiu a arrogância desenfreada do capitalismo, que até os nossos dias busca sancionar tudo o que não for submisso aos ditames da ordem capitalista (neoliberal).
O que quero dizer com todo esse preâmbulo é que desde o PTB do governo Jango, para delimitar um período, e passando pelo PT de Lula, perdemos a oportunidade de tomadas de decisões que agregassem o poder econômico ao poder político, ou, políticas mais arrojadas, que delimitassem um poder popular democrático e orgânico, envolvendo todo o tecido social. Cito como exemplo o arrojo político de Brizola, no governo do Rio Grande do Sul. Em 1964, sua proposta de resistência ao golpe cívico-militar poderia ter levado a democracia à derrota, como de fato ocorreu, mas forjaria uma ideia perene de resistência organizada, o que nunca aconteceu em nosso país. Não foi uma decepção só da esquerda brasileira, se considerarmos o que aconteceu na Bolívia de Juan José Torres, ou no Chile da Unidade Popular. Como contrapartida, se olharmos para a Argentina e o Uruguai, suas democracias convulsas podem ter sido derrotadas nesse mesmo período, porém retornaram com força na primeira oportunidade.
Ao analisarmos essa breve etapa política, o comportamento dos partidos de esquerda que estiveram no poder nos últimos sessenta anos de nossa história, contabilizamos a brandura permissiva que nos deixa hoje à mercê de uma maioria congressual conservadora até a medula, misógina, intolerante, que sustenta a iniciativa política com um forte discurso agressivo em uma luta de vale-tudo pela manutenção dos privilégios. Essa iniciativa já absorve as mazelas das populações mais carentes, marginalizadas, seduzindo-as a cada eleição ao incorporá-las em sua agenda política. Se esses grupos conservadores instalados no poder de fato irão retribuir o voto dos mais pobres em seu projeto político, isso vamos ver.
De outra parte, falemos francamente: o que os partidos de esquerda fizeram para, de fato, obter a hegemonia, esse processo pedagógico que objetiva a formação de intelectuais orgânicos, nos mais diversos setores sociais, como proposição de uma nova ordem em construção? Nada, ou muito pouco. A construção de uma nova hegemonia necessita de uma profunda reforma (mudança, transformação) moral e intelectual do sujeito social. Conforme Gramsci, uma mudança moral e intelectual não pode deixar de estar ligada a um programa de mudança econômica". Entendemos o que quer dizer com isso.
Na Argentina de Milei ocorre o mesmo movimento sísmico da prevalência dos interesses políticos, os grupos dominantes da sociedade que desde sempre deram as cartas e viviam nas sombras, agora contam com poderosa representação no executivo e no Congresso para a manutenção do poder real. Esse poder real se estrutura em torno da mídia hegemônica, do judiciário, das corporações financeiras, da sociedade rural agroexportadora, uma elite eternamente voraz, disposta a levar às últimas consequências o mundo maravilhoso do ganha-ganha econômico e político. Ao que tudo indica, eles seguem as orientações de Gramsci com muita competência.
Resta crer que, no subterrâneo, nos meandros dos rincões abandonados, nos fundões mais agrios das villas e das favelas, persiste uma energia cívica, fragmentada e ultrajada momentaneamente, e que não se quebranta. Por mais distantes que estejamos de uma hegemonia moral, intelectual e econômica, como sugere Gramsci, a revolta fantasmagórica pode, em algum momento, e de modo muito forte, retomar o voluntarismo da caminhada pelas grandes alamedas da verdadeira democracia social.