25 novembro 2024

Clube dos senhores


 

Um grupo de homens de meia-idade se reúne nas noites de sábado e se organiza em duplas, na busca de emoções pela cidade. Retrato de uma dupla em especial, o sr. Martinez e o sr. Ruben, este um argentino, que circulam por espaços no centro, bares, praças, terminando no café de um cinema, observando o movimento. Encontros ascéticos, que conseguiam evitar o tédio das noites do domingo. Sem dinheiro, homens decadentes como suas metrópoles, rememoram os bons tempos enquanto apreciam as belas senhoras da fila de ingressos.  

Como desdobramento do Clube dos Senhores, a cantina em que passam a se encontrar em determinado dia, onde uma convocatória feita por cartas pessoais expressava que apenas os dez senhores convocados seriam atendidos diariamente, naquele horário. Encontram-se todos os dias e as refeições já estão postas quando chegam, duas a duas em mesas separadas, sem que apareça qualquer atendente. O pagamento, cinquenta centavos por dia, que deveriam deixar sobre a mesa. Podiam desfrutar por trinta minutos, quando então uma sirena determinava que deveriam deixar o local.



06 novembro 2024

Entre a brandura e a revolução

O tosco argumento do radicalismo fascista  

Penso na brandura dos partidos de esquerda em nosso Brasil, o respeito pelo processo democrático e o desejo da disputa árdua, porém dentro das normas estabelecidas. Além do que, gosta de tratar os partidos de oposição como adversários políticos, e não inimigos, como os regimes de excessão cívico-militares na América Latina nos ensinou. 

Alguém poderá me dizer que esqueço de Cuba, e respondo preservando uma linha de análise histórica, uma hipótese que pode ser discutida em sua amplitude, porém não descartada, que o regime cubano enrijeceu na proporção do enrijecimento das medidas político-econômicas conduzidas pelos EUA. Por exemplo, acredito que Cuba não teria abraçado o marxismo-leninismo se o embargo não tivesse acontecido. E aconteceu de maneira desumana. Os irmãos Castro não eram marxistas-leninistas, afirmaram isso logo no início, porém, após os primeiros meses da revolução, as ações diretas do Pentágono se tornaram gradativamente mais intolerantes, culminando com a tentativa fracassada da Baía dos Porcos, em abril de 1961. O legado de Eisenhower foi o plano da malfadada invasão; Kennedy o realizou e Johnson jamais pensou em rever o bloqueio estabelecido pelo seu predecessor. Daí para a frente, as disputas da Guerra Fria deram as cartas e quando ela terminou, nos anos 1990, emergiu a arrogância desenfreada do capitalismo, que até os nossos dias busca sancionar tudo o que não for submisso aos ditames da ordem capitalista (neoliberal).

O que quero dizer com todo esse preâmbulo é que desde o PTB do governo Jango, para delimitar um período, e passando pelo PT de Lula, perdemos a oportunidade de tomadas de decisões que agregassem o poder econômico ao poder político, ou, políticas mais arrojadas, que delimitassem um poder popular democrático e orgânico, envolvendo todo o tecido social. Cito como exemplo o arrojo político de Brizola, no governo do Rio Grande do Sul. Em 1964, sua proposta de resistência ao golpe cívico-militar poderia ter levado a democracia à derrota, como de fato ocorreu, mas forjaria uma ideia perene de resistência organizada, o que nunca aconteceu em nosso país. Não foi uma decepção só da esquerda brasileira, se considerarmos o que aconteceu na Bolívia de Juan José Torres, ou no Chile da Unidade Popular. Como contrapartida, se olharmos para a Argentina e o Uruguai, suas democracias convulsas podem ter sido derrotadas nesse mesmo período, porém retornaram com força na primeira oportunidade.

Ao analisarmos essa breve etapa política, o comportamento dos partidos de esquerda que estiveram no poder nos últimos sessenta anos de nossa história, contabilizamos a brandura permissiva que nos deixa hoje à mercê de uma maioria congressual conservadora até a medula, misógina, intolerante, que sustenta a iniciativa política com um forte discurso agressivo em uma luta de vale-tudo pela manutenção dos privilégios. Essa iniciativa já absorve as mazelas das populações mais carentes, marginalizadas, seduzindo-as a cada eleição ao incorporá-las em sua agenda política. Se esses grupos conservadores instalados no poder de fato irão retribuir o voto dos mais pobres em seu projeto político, isso vamos ver. 

De outra parte, falemos francamente: o que os partidos de esquerda fizeram para, de fato, obter a hegemonia, esse processo pedagógico que objetiva a formação de intelectuais orgânicos, nos mais diversos setores sociais, como proposição de uma nova ordem em construção? Nada, ou muito pouco. A construção de uma nova hegemonia necessita de uma profunda reforma (mudança, transformação) moral e intelectual do sujeito social. Conforme Gramsci, uma mudança moral e intelectual não pode deixar de estar ligada a um programa de mudança econômica". Entendemos o que quer dizer com isso.

Na Argentina de Milei ocorre o mesmo movimento sísmico da prevalência dos interesses políticos, os grupos dominantes da sociedade que desde sempre deram as cartas e viviam nas sombras, agora contam com poderosa representação no executivo e no Congresso para a manutenção do poder real. Esse poder real se estrutura em torno da mídia hegemônica, do judiciário, das corporações financeiras, da sociedade rural agroexportadora, uma elite eternamente voraz, disposta a levar às últimas consequências o mundo maravilhoso do ganha-ganha econômico e político. Ao que tudo indica, eles seguem as orientações de Gramsci com muita competência.

Resta crer que, no subterrâneo, nos meandros dos rincões abandonados, nos fundões mais agrios das villas e das favelas, persiste uma energia cívica, fragmentada e ultrajada momentaneamente, e que não se quebranta. Por mais distantes que estejamos de uma hegemonia moral, intelectual e econômica, como sugere Gramsci, a revolta fantasmagórica pode, em algum momento, e de modo muito forte, retomar o voluntarismo da caminhada pelas grandes alamedas da verdadeira democracia social.


30 outubro 2024

Psicopatia política


por Enrico Natale


Para se assumir uma função de destaque na diplomacia, há que se ter sangue de toureiro, e estar preparado para muitas noites insones. Para se assumir uma posição na diplomacia que esteja contra o mundo, há que se comportar como um psicopata, ou em outras palavras, ter um desprezo pelo mundo. Mais uma vez foi votada na ONU, de maneira inequívoca, a condenação pelo bloqueio que os EUA impõem contra Cuba. Foram 187 votos pela resolução, uma abstenção (?) vinda da Moldávia, e os dois solitários votos contrários, Estados Unidos e Israel. Nada muda: a posição do governo estadunidense prossegue férrea, não apenas mantendo o embargo econômico, comercial e financeiro, como estabelecendo sanções contra as empresas que o rompem. Nada muda, o isolamento, a deterioração econômica, o sofrimento da população cubana prosseguem, como se ainda estivéssemos nos tempos da Guerra Fria, como se Cuba, de fato, representasse uma ameaça à segurança e à existência dos EUA. 

Em uma inesperada resolução diplomática, a Argentina votou contra o embargo, na Assembleia da ONU. Terá sido uma decisão à revelia do ministério de Relações Exteriores? Como consequência, Milei exonerou a chanceler Diana Mondino. Em comunicado oficial, o escritório da presidência declara que "iniciará uma auditoria do pessoal de carreira da Chancelaria, com o objetivo de identificar os impulsionadores de agendas inimigas da liberdade". Ou seja, a perseguição macartista (e não a liberdade) avança.

Enquanto isso, o novo objetivo atacado pelas forças de Israel no Líbano foi Baalbek, cidade designada como Patrimônio Mundial da ONU para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 1984. Existem exemplares bem preservados de templos romanos, alguns datados de 3.000 anos. Como em outras situações, em outras partes da Palestina e do Líbano, a população é obrigada a se deslocar, em razão dos ataques preparados contra alvos do Hezbollah.  


23 outubro 2024

Estesia noturna




O que me desperta a atenção não é apenas o silêncio que se instala repentinamente, mas a absoluta ausência de ação. De um tempo para cá, o início das madrugadas se passam semelhantes, umas vezes mais, outras menos: vou até a janela da sala e fico sob a luz mortiça da noite, observando a não-presença de pessoas, de carros, de animais, de vento, de ruído, em uma rua que durante o dia tem o porte e o volume de uma avenida. Em frente, a faculdade absorve para depois despejar centenas de estudantes. Ao redor, bares e restaurantes carregados de clientes, de conversas. Nas galerias, o clima convidativo da primavera leva as pessoas a sentarem nos bancos públicos na companhia de seus cães. É interessante morar em uma centralidade com escritórios e apartamentos residenciais. Ao lado, o cinema com as sessões regulares e seus habitués, principalmente nesse período de Mostra Internacional. As calçadas estreitas revelam, pela manhã, um fluxo para um lado, e à tardezinha, para o outro, no sentido do metrô. Só os indigentes não têm movimento determinado e ficam pelos caminhos. À essa altura da madrugada, suas queixas também serenam, sob seus cobertores encardidos. Então, lanço meu olhar para dentro da sala e vislumbro outra classe de apaziguamento, a quietude de meu amor. Ela, com seus cabelos longos e cacheados, ocupa a mesa de trabalho, e lê, redige, estuda. E me encanta. De tudo, agora, ouço apenas o rumor da chuva, não se pode dizer que foi repentina, as chuvas, como a peste, o amor e as palavras, se anunciam de alguma forma. Talvez seja ela a razão pela quietude profunda de hoje. Não tenho sono, e sob o aroma aprazível da noite, me aproximo da grande mesa e me acomodo silencioso, ao seu lado.   


07 outubro 2024

Gaza, Argentina, São Paulo


A obra de Netanyahu


Hoje completa 12 meses, um ano, de combates e destruição em Gaza. São contabilizados 42.000 mortos, sendo 16.750 crianças e 10.000 desaparecidos, números que mesmo Kanafani ou Said teriam dificuldades em imaginar. Pouco ou nada sobrou do pequeno território palestino de 360 quilômetros quadrados. E não há previsão no horizonte de expectativas de paz duradoura. A propósito, não vejo mais a chance de que, depois dos ataques recentes ao Líbano e Síria, seja possível algum tipo de acordo fechado em uma mesa de negociações. Ela, quando vier, será estipulada pelos Estados Unidos e União Europeia, de acordo com os propósitos estipulados pelo governo Netanyahu. Simples assim. Se não existe qualquer confiança do governo israelense para com os palestinos, agora mais do que nunca são os palestinos que não têm qualquer confiança em um acordo equânime com Israel. E nem pensar no Hezbolah e no Irã. Qualquer cessar-fogo duradouro parece ter ficado absolutamente impossível neste ano que passou. Ainda não há notícias sobre os 97 reféns restantes nas mãos do Hamas, o que parece incrível depois de uma ocupação minuciosa de Gaza. A eliminação de Nasrallah e de praticamente todo o comando do Hezbolah, os bombardeios contínuos no Líbano fazem com que Netanyahu não se detenha em sua sanha sanguinária, até o ponto de restaurar à sua maneira alguma paz na região. O forte ataque do Irã há uma semana mantém pendente uma retaliação israelense, que não se sabe como nem quando ocorrerá, mas que em todas as hipóteses, ampliará dramaticamente o cenário de destruição e morte.

Depois das marchas dos aposentados e, na semana passada, das universidades, o governo Milei sentiu mais uma vez a voz das ruas. A grande questão que fica é, até que ponto esse ruído afeta um presidente que dá mostras de não se incomodar nem um pouco com o bem-estar da população. Nos dois casos, vetou o aumento de verbas para ambas as categorias, sob a patética desculpa de não comprometer o equilíbrio das contas públicas. Balela! O impacto no orçamento não passaria de 0,14% do PIB argentino, o que, mesmo para quem diz que no hay plata, o valor é irrisório. Considerando que a inflação prevista para este ano estará em torno de 150%, praticamente sem reposição salarial, com perdas acumuladas do poder aquisitivo, o cenário de pobreza, atualmente em 52,9% da população, só tenderá a aumentar. 

Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB), o atual prefeito, disputam o segundo turno em São Paulo, ficando de fora o candidato surpresa destas eleições, Pablo Marçal. Um outsider sem qualquer profundidade intelectual, e que ficou menos de 1% atrás de Boulos (56 mil votos), o segundo colocado. O mais absurdo foi que, durante uma hora, das 17h35 às 18h39, o segundo turno indicava Nunes e Marçal! A grande pergunta: quem é capaz de ser seduzido pelas "ideias" de Marçal? O fato é que, ainda que o PT tenha feito a maior bancada de vereadores, 8 no total, ela é irrisória diante da frente de partidos conservadores e de direita, que deverão controlar a Câmara. No total, os partidos progressistas, incluindo o PT, não soma 20 das 55 cadeiras, prometendo problemas em um eventual governo Boulos - o que me parece muito difícil de acontecer. No Brasil também prevaleceu uma onda conservadora, que deixa as perspectivas para as eleições de 2026 bem sombrias.    



23 setembro 2024

Um bom amigo

 

O Spree

Caminhamos longamente, eu e Florian, pelos meandros de Mitte; ele me levou a um centro labiríntico de pequenas lojas e cafés, um conjunto moldurado por simpáticos jardins e cafés. Almoçamos ali mesmo, em uma cantina com jovens atendentes. O que nos atendeu falava o espanhol, conversamos rapidamente sobre o cardápio e sobre Madri, sua cidade. Quando se retirou, eu e Florian fixamos os olhares pelos recantos surpreendentes do lugar, em completa introspecção. Estávamos em uma cantina encravada no piso inferior de um pátio aberto. Tratava-se de um ambiente em terreno irregular e cuidadosamente adornado por árvores esguias, com densa folhagem. A semana em Berlim me deixara com os pés estropiados, sem condições de marchar adequadamente no ritmo de Florian. Pensava nas coisas boas e nos lugares pitorescos que tinha visitado sem forçar a caminhada, e agora com Florian, as coisas mudavam um pouco. Atendia-me nas solicitações insistentes, Nous ne pouvons pas marcher si vite... ou então, On doit réposer un peu... Vez ou outra despertávamos da letargia para falar sobre os muitos encontros no passado. Em certos momentos, como aquele, compreendíamos a importância de desfrutar um pouco de silêncio, para não fazer nada mesmo. Nunca alimentamos a necessidade de preenchermos o tempo com a exigência de uma conversa. Desde o início, sabíamos instintivamente da importância em permanecer calados, em tranquila introspecção. Le jour est très agréable... comentei, antes de referir-me à visita que certa vez lhe fiz, ao longo de uma única jornada. Buscou-me na estação de Frankfurt ainda de madrugada e fomos para sua cidadezinha. É provável que tenha vivido mais intensamente esse dia do que muitas semanas da minha vida. Foi nessa ocasião que, juntamente com Mildred, sua companheira na época, singramos de barco pelo Neckar até desembarcarmos em um pequeno Café solitário, no sopé de uma montanha, para descobrirmos que se tratava de um recanto brasileiro, pela música com Jorge Benjor e pela proprietária carioca, que nos recebeu alegremente alternando o alemão e o português. Desta feita, ali estávamos em Berlim, cidade que por incrível que pareça, conheço melhor que ele. Guardava minha quietude pelos pequenos prazeres do momento, e pela fortuna em poder contar com um bom amigo que em outra língua, era capaz de me ouvir e fazer seus comentários. Sim, desta vez em Berlim, eu esperando Mônica, Florian solitário, pois Kim estaria em um congresso de turismo em algum lugar da Alemanha. Pergunto sobre seu pai, ele me responde, oh, ça va, ça va... um mês após a festa dos noventa anos, que preparou juntamente com seu irmão e seus filhos.

(atualizado em 05.11.2024)



09 setembro 2024

O legado de Milei


by Gregory Crewds


Milei é o projeto mais bem-acabado da injúria humana. Para as corporações, ele representa um avanço na sociopatia empresarial, uma simpática forma de sociopatia, sempre almejada e, por razões óbvias, sempre postergada. Pois o novo tempo nas relações do trabalho chegou, com Milei sendo seu mais importante porta-voz. Para esclarecer devidamente: ele elabora a canalhice, alcançando um limite que descarta retorno, e por essa razão, é aplaudido freneticamente nesses encontros restritos à casta dominante. Diz o que pensa, a partir do mantra secreto das maldades de quem manda. Sua política não propõe nada, a não ser o esgarçamento dos limites que regem o comportamento humano. Como se fosse um híbrido de humano com máquina, seu objetivo é devastar, tal como uma motosserra devasta a floresta para o pasto do agronegócio. 

Ao defender o livre mercado, na verdade Milei emite sinais claros para o mundo corporativo, é como se dissesse do modo mais claro e miserável, Desatem suas amarras, ajam livremente para alcançar os melhores resultados com mais lucros e menos custos, e dane-se o resto. Milei ascende ao proscênio para garantir procedimentos técnicos de destruição, não importa a dimensão da fome e da desesperança. Tem liberdade de ação, garantida pelo cartel midiático-financeiro. Seu papel, guardadas as devidas cicunstâncias de cada momento histórico, tem procedência na subserviência arrogante de um Quisling: o que um fez para destruir uma democracia, o outro faz para destruir as relações humanas sensíveis. 



08 setembro 2024

A invisibilidade do poder real


A última ceia em Gaza, por Mohammad Sanobari


Ontem completou 11 meses do massacre contínuo das FDI contra o povo palestino de Gaza, sem que o mundo tome qualquer providência. Que força misteriosa desse poder invisível, que garroteia a mídia internacional e os políticos das nações. Em qualquer circunstância semelhante, haveria uma condenação irrestrita ao governo israelense, seguida de sanções econômicas. Exceto em algumas situações pontuais, nada ocorre. É como se essa região do planeta não existisse, indiferente aos movimentos massivos da população, forçada a se deslocar de um lado para o outro, segundo as determinações das FDI, antes de realizarem seus bombardeios chamados de "cirúrgicos", mas que matam dezenas de pessoas inocentes. Por muito menos, condena-se moralmente e sanciona-se economicamente a Venezuela, depois das eleições no país. 

A cada semana que passa a figura de Milei se assemelha mais a um marionete: seus movimentos e sua fala são produzidos por outras mãos e outras vozes, tão poderosas quanto ocultas. Suas constantes aparições públicas sinalizam duas certezas, com as quais lida sob esse apoio sinistro: a destruição da cultura argentina e a preservação dos privilégios dos grandes grupos econômicos. Por cultura argentina, incluo os hábitos e costumes da população mais pobre, condenando de modo gradativo mais porções sociais à vala comum. A classe média corroída, vai se dissolvendo em uma massa de indigência. O quadro a curto prazo é de fome e desesperança, e ainda não é possível dizer até onde o massacre da serra elétrica irá prosseguir. Some-se a isso a violência policial contra as manifestações, quaisquer manifestações, em um contraponto bizarro da alardeada liberdade. Recentemente a polícia de Bullrich atacou os aposentados em marcha nas ruas - e o silêncio tumular da classe política dá mostras de companhar, como que anestesiada, as diatribes do presidente. 

Enquanto isso, temos uma profusão de torneios e campeonatos de futebol, que se sobrepõem avidamente, como um entretenimento eficiente ao sofrimento do mundo. O pior de tudo são as mesas de análises táticas, mas deixemos esse aspecto para outra hora. Não bastam mais os campeonatos nacionais de clubes, cada vez com mais ganância intercalam os torneios internacionais sem fim, expandidos ao sabor da ambição política e financeira. Não há mais limites para os novos formatos, para as novas disputas, os cifrões se acumulam, tudo sincronizado a uma grande roleta de apostas, amparada por tabelas estatísticas que sinalizam os desempenhos. Nada permanece, tudo se transforma. Atletas transformados em índices de rendimento, torcedores tranformados em massa de manobra, espetáculos cada vez menos populares e mais elitistas. O Capital multiplica seu investimento construindo novas modalidades de controle, com garantia plena de retorno, a banca que não perde. E o mundo civilizado, submetido à roleta que não para de girar, faz do cidadão o convidado à mesa para sangrar e perder. A carnificina não parece ter fim, e se insinua cada vez mais invisível, sorrateira, diante da parvoíce da maioria.

(atualizado em 09.09.2024)