O que me desperta a atenção não é apenas o silêncio que se instala repentinamente, mas a absoluta ausência de ação. De um tempo para cá, o início das madrugadas se passam semelhantes, umas vezes mais, outras menos: vou até a janela da sala e fico sob a luz mortiça da noite, observando a não-presença de pessoas, de carros, de animais, de vento, de ruído, em uma rua que durante o dia tem o porte e o volume de uma avenida. Em frente, a faculdade absorve para depois despejar centenas de estudantes. Ao redor, bares e restaurantes carregados de clientes, de conversas. Nas galerias, o clima convidativo da primavera leva as pessoas a sentarem nos bancos públicos na companhia de seus cães. É interessante morar em uma centralidade com escritórios e apartamentos residenciais. Ao lado, o cinema com as sessões regulares e seus habitués, principalmente nesse período de Mostra Internacional. As calçadas estreitas revelam, pela manhã, um fluxo para um lado, e à tardezinha, para o outro, no sentido do metrô. Só os indigentes não têm movimento determinado e ficam pelos caminhos. À essa altura da madrugada, suas queixas também serenam, sob seus cobertores encardidos. Então, lanço meu olhar para dentro da sala e vislumbro outra classe de apaziguamento, a quietude de meu amor. Ela, com seus cabelos longos e cacheados, ocupa a mesa de trabalho, e lê, redige, estuda. E me encanta. De tudo, agora, ouço apenas o rumor da chuva, não se pode dizer que foi repentina, as chuvas, como a peste, o amor e as palavras, se anunciam de alguma forma. Talvez seja ela a razão pela quietude profunda de hoje. Não tenho sono, e sob o aroma aprazível da noite, me aproximo da grande mesa e me acomodo silencioso, ao seu lado.
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