Tiergarten, 2024 |
Meu tio Edson morreu na sexta-feira passada. Nunca mais o vi desde a morte de minha avó, há 25 anos. Naquela ocasião, também a última que estive em Cambé, ao desembarcar na rodoviária, em meio a uma madrugada suave e agradável, me esperavam ele e meu pai: eram as únicas almas vivas do lugar, cena que descrevo com detalhes em um de meus contos.
Mas o que queria dizer é que essa foi a segunda morte de meu
tio. A primeira ocorreu quando eu tinha meus seis ou sete anos e brincava na
rua quando vi encostar uma kombi com dois sujeitos, que desceram e apertaram a
campainha de casa. Quando se retiraram, minha mãe me chamou, Vamos viajar para
Cambé, seu tio Edson morreu. Não tínhamos telefone, de modo que um conhecido da
família que viria para São Paulo se incumbiu de trazer a notícia. Meu pai
chegou em seguida, para o almoço, e mamãe lhe comunicou o fatídico. Lembro-me
que ela sugeriu passar um rádio para Cambé, anunciando nossa viagem.
À
tarde já estávamos na estrada em nosso fusca, com seis pessoas: meus pais, meus
pequenos irmãos, eu e minha avó materna, que nos fazia uma visita. Ao longo da
viagem, vovó não afastou a mão do rosto, em um claro sinal de desconsolo. Chegamos à noite e
fomos avisados que não tinha sido meu tio que falecera, mas seu filho e meu primo de
dois anos, Antonio Carlos. Lembro-me também de meu avô relatando, para nós, o drama dos últimos
momentos da criança, minha tia saindo aflita para a santa casa, enquanto ele pedia para esperar, enquanto amarrava os sapatos.
O certo é que foi com alívio que constatei que meu tio estava vivo. Sempre gostei dele, de sua maneira extrovertida de ser, do jeito alegre de lidar com a vida e com as situações humanas. Visitava-nos com frequência dirigindo seu caminhão, e nos recebia em sua casa contando histórias divertidas. Lamentei, ao longo da vida, não ter experimentado uma viagem ao seu lado, na boleia de um caminhão, e sentir o dia a dia de uma viagem pelas estradas do Brasil.
Sobreviveu sessenta anos desde sua "primeira morte", para ao final sucumbir velho, pobre e esquecido, na simples companhia de sua esposa, minha tia Maria Inês. A juventude da família naqueles verdes anos propiciou rapidamente o imediato reencontro de todos, diferente de agora, em que a velhice que nos alcança impede a possibilidade da última despedida
Esse episódio da comunicação equivocada serviu para que decidíssemos comprar o primeiro telefone de casa, e em seguida, um para meus avós. Ficaríamos, por fim, conectados de maneira direta, de tal modo que nem mesmo a morte ousaria nos surpreender.
Nenhum comentário:
Postar um comentário