Ida Vitale, 100 anos |
Era meu desejo trazer de Montevideo um livro que fosse de Ida Vitale. Consegui um pouco mais do que isso. Conversando com Rissi, em seu escritório na belíssima livraria Linardi & Rissi, soube que Vitale se encontra muito saudável, próxima de completar 100 anos, cumprindo os compromissos literários pela cidade. Tinha comparecido fazia pouco tempo na livraria, em um evento em sua homenagem. Trata-se da última representante da geração de 1945, que contou com Mario Benedetti, Idea Vilariño, Ángel Rama, dentre outros, e conforme Elvira Blanco, em sua pesquisa de doutoramento sobre o tema, foi uma geração que construiu outro imaginário, caracterizado (...) por um recorte da realidade, e especialmente pela construção de uma visão urbana (leia-se montevideana) que se estendeu hegemonicamente a todo um país, a toda uma literatura, e a toda uma maneira de ver um país e sua cultura.
Trouxe o livrinho Tiempo sin Claves, um de seus últimos trabalhos (2021), publicado pela Estuario Editora, um delicado testemunho desta grande escritora, ainda a ser reconhecida no Brasil. Abaixo, duas pequenas poesias desta linda obra, em tradução pessoal.
Graças do dia
Depois de tantos dias nublados
não esperava esta festa do sol
que brinca entre as folhas
e me guia até ver a pomba:
ela encontrou uma rede a sua medida
uma rama balouçante
e nela se põe a balançar
balançar, satisfeita de si,
do sol, do ar suave.
Como uma dona de casa
quando termina o dia e repousa.
Condições
Só, o cavalo se observa,
se vê disfarçada pomba.
A garça se olha na água
se descobre chuvisco, cascata.
Se a luz corta a escuridão,
o que temos: raio ou espada?
Como ilumina a vasilha
um peixinho, sol da água!
Entre escritura e sonho, algo
às vezes flui: a poesia.
Ainda não sabemos o que a ajuda
a ver: o intranquilo, o quieto?
O mal e o mal, lado a lado,
o bem, sem concordância, só.
Desejos de escrever, desencravados
de sua cruz, já sem asas.
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