26 outubro 2021

Paulina Chiziane

Paulina Chiziane

As grandes premiações pelo mundo costumam ter o mérito (mas nem sempre) de lançar para o público leitor nomes de escritores raramente considerados pela mídia corporativa. Neste ano, surgiram dois nomes bem desconhecidos, Abdulrazak Gurnah, escritor da África negra premiado com o Nobel de Literatura (o que não acontecia desde 1986), e Paulina Chiziane, escritora negra moçambicana, imortalizada pelo prêmio Camões. Um duplo acontecimento espetacular, sem dúvida grandioso, e tal como a passagem do cometa Halley, levará décadas para se repetir!

Tomo o caso da premiada lusófona, Paulina Chiziane, o que sabíamos dela? Muito pouco. Eu, particularmente, nunca tinha ouvido falar e nesse sentido, demonstro a falha inadmissível de meu desinteresse. Paulina já faz parte do acervo de algumas editoras brasileiras, como a Dublinense (O alegre canto da Perdiz) e a Companhia das Letras (Niketche). Ainda não houve tempo para me debruçar em sua narrativa, mas assisti a diversas entrevistas suas, dadas em Moçambique, Portugal e até aqui no Brasil. 

A primeira delas, a mais longa (1h e 17 min) e mais recente (maio deste ano), foi a que me apresentou à Paulina de maneira profunda. Impressionou a delicada contundência de suas revelações. Sua fala é explícita, sensível, não se furta em avaliar os temas propostos, por mais espinhosos. Expõe, por exemplo, sua postura dura contra a hipocrisia dos grupos religiosos, "a oração é levada como uma receita fácil (...) usam a capa da oração, que não passa de uma atitude hipócrita", que trouxeram pouca compreensão ou conforto espiritual quando esteve em tratamento psíquico, há uns dez anos. 

A doença mental trouxe de algum modo o lado bom dessa dolorosa experiência, ao entender melhor os valores do mundo social. Juntamente com a decepção com os grupos de oração e com as pessoas "dos grandes salões", teve as pessoas anônimas que lhe estenderam a mão. Sua fala discorre sem atropelos ou rancor, apenas relata os momentos difíceis desse momento em que esteve no chão. 

Como ela diz, conseguiu curar-se ao concentrar-se em si, "todo fim é o princípio de uma vida nova (...) o fato de eu estar muito só deu-me força". É muito bonito quando ela diz que "não acredito em Deus, tenho a certeza!...". Descarta a fé, pois entende ser uma crença induzida por alguém e repete, tenho a certeza! (da existência de Deus). O que não impede que seja uma mulher de pensamento livre, profundamente defensora da africanidade na cultura, na educação, apontando o preconceito e a ignorância pelo desinteresse em se conhecer a história, "falar de África é falar de mim, de minha existência, da minha resistência (...) falar de África para mim significa dizer: acorda!".

Um momento sublime da entrevista é a descrição do "ponto alto" na vida, quando foi convidada para a Feira de Frankfurt e ficou sentada em uma mesinha, apartada do galpão onde se encontravam os grandes escritores. Foi o que a fez conhecida, perguntavam quem é aquela mendiga? Pois era uma mulher simples, e uma escritora com histórias a contar. Histórias que nos ajudam a desvelar a vida, as crenças, os costumes cotidianos de um imenso continente explorado e vilipendiado, a África.


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