Strasburgo, 2000 |
Chegamos ao final de mais uma semana,
sem grandes modificações no panorama geral. As crises política e econômica,
esta agravada pela ocorrência da pandemia, seguem a pleno vapor. Não seria
exagero dizer que o ano de 2020 está perdido, no que diz respeito a uma vida
social saudável. Talvez ainda demore o contato com as pessoas queridas, meus
pais, minha irmã, minha amada Moniquinha e demais amigos. O convívio livre,
aberto, despreocupado, como conhecíamos até o princípio deste ano, dá mostras
que irá custar a voltar. Tenho prometido à Mônica que delimitei um prazo, que
na pior das hipóteses em dezembro nos encontramos para a passagem de ano. Falei
isso sem qualquer comprovação científica. Na Nova Zelândia já faz algumas
semanas que a vida retornou ao normal, mas lá as providências foram fortes
desde o início. Havia um governo decidido a tomar iniciativas, e favoráveis ao
bem-estar da população, e o ônus tornou-se dividendo.
Por aqui, não há ônus nem dividendo,
pois a proposta principal desse desgoverno parece ser bem-sucedida em meio ao
caos, ou seja, a destruição das instituições, a destruição da cultura, a
destruição da educação. O punhado de irresponsáveis inconsequentes – sem que
sejam imbecis, pois sabem cumprir suas fúteis tarefas políticas – destroçam o tecido social e
junto, o discernimento do que é importante para a sociedade. Principalmente
esse capitão desregulado que atua aos trancos e barrancos, entre demissões de
ministros, disputas com a mídia corporativa e decisões personalistas,
escondendo com isso os avanços de uma política neoliberal de privatizações, ou
de destruição das empresas públicas, patrocinada por seu ministro Paulo Guedes.
Assim, estamos assentados à beira de um
barranco, e a cada sacudida, rolamos um pouco mais ribanceira abaixo. O mais
doloroso de tudo é a destruição de nossa imagem no exterior, de nossa
diplomacia, que nada faz senão desfazer relações e acordos. Há nisso uma
subordinação canalha, obviamente conduzida por esse testa de ferro de nome
Ernesto Araújo, que como boa parte do ministério, se satisfaz em seguir um
ordenamento sem profundidade, imerso em sua opacidade subalterna, onde seu
principal esforço parece se comprazer em sorrisos tolos e falas abjetas. Não
representa uma nova linha no Itamarati, mas ao contrário, é a nulificação de
tudo o que ele representou no cenário internacional. Essa gente não tem brilho
nos olhos, um detalhe subjetivo, mas que parece decisivo para investigarmos a
patetice paralisante que tomou conta do país, e que deve permanecer por mais
dois anos. Já não tenho mais confiança no que pode acontecer vindo das urnas.
Uma parte do país se acomoda em torno desse estado vegetativo, quero dizer,
parcelas de todos os estratos sociais, e que parecem não se dar conta do
vexame, da catástrofe civilizatória.
É o que disse no começo, perdemos nossa
capacidade de discernimento do certo e do errado, do joio e do trigo. As falas
atravessadas, oriundas dos procedimentos criminosos dos gabinetes do ódio e
embasadas em falsas informações, infectam os canais digitais de comunicação
pessoal, desencadeando uma estranha normalidade do mal, algo tão grave e similar
ao controle da segurança do Estado por milícias organizadas. Ou pior, o
conhecimento científico acumulado ao sabor dos sábios piratas neopentecostais,
que destroçam Darwin em nome do criacionismo, que condenam a diversidade humana
em nome de uma interpretação obtusa da palavra sagrada. Nesse quesito, o
fundamentalismo que se impõe é tão ou mais trágico que o preconizado pelos Bins
Ladens do islamismo, posto que é edificado para beneficiar um punhado de
fariseus milionários.
Ouço John Zorn pelo Youtube, Nove Cantici Per Francesco D’Assisi, antes de preparar meu saboroso jantar, arroz integral, feijão preto, pimentão assado com queijo, ovos mexidos e água. O que tem me animado é ler e escrever. Ler teses e dissertações de alunos para bancas e escrever meus textos, publicando-os na medida do possível. Tive dois contos recém-publicados em revistas de literatura eletrônicas, e ontem enviei um texto acadêmico do qual gosto e que será publicado em uma coletânea de artigos, em Porto Alegre. E tenho a reorganização de meus textos do doutorado e do mestrado, e já os enviei para uma editora digital argentina. Também reorganizo meus contos, meu romance, minha peça sobre a Palestina. Esse tempo de imobilidade me permite dormir, falar com meu amor, ler, escrever e fazer minha comida. Tomara que possamos superar esse estágio, para um novo e estimulante salto adiante.
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