A morte e a morte de Quincas Berro D'água, por Carybé |
Creio
que já são duas semanas que estamos em confinamento, não tenho o tempo exato.
Desse isolamento inesperado e bem consolidado por grande parte do país, não é
possível dizer o que acontecerá depois. Todas as atividades culturais e
esportivas foram suspensas, espaços de lazer como os shoppings foram fechados,
assim como a maior parte da atividade produtiva, exceto os serviços essenciais,
como supermercados, postos de gasolina, farmácias. Os hospitais se preparam
para o pico da pandemia, que deve nos alcançar em abril e maio. Até hoje já são
201 mortes confirmadas e mais de 5.700 pessoas com a Covid-19. Enquanto os
governadores em inédita coesão procuram tomar medidas para mitigar a expansão
da doença, o patético capitão-presidente segue em caminho oposto,
desqualificando todos os esforços nesse sentido. Ele segue na campanha de
convencer as pessoas a deixarem o isolamento e retomar o trabalho, pensando nos
índices da economia. Há pouco soava a sinfonia de todas as noites, o toque das
panelas nas janelas da redondeza, que se reproduz simultaneamente em todas as
cidades do país, mostrando a indignação da população contra esse celerado.
Também não é possível antecipar o desfecho que o crescente descontentamento
popular irá desencadear e nem mesmo mensurar qual a sua amplitude daqui a,
digamos, dois meses.
Nos
Estados Unidos são previstas 100.000 mortes em uma estimativa otimista. No
Reino Unido, já são 25.000 infectados e 1.789 mortes. Na França, 499 mortes nas
últimas 24 horas. Na Itália já são mais de 12.000 falecidos e na Espanha,
8.200, números que seguem aumentando. O vírus atinge de modo mais brutal as
pessoas com quadro de doença pré-existentes, principalmente no aparelho
respiratório, o que não significa dizer as mais velhas. Conversava com meu
amigo Sérgio e ele se dizia parte do grupo de risco por seus problemas no ano
passado com o coração. A crise de leitos hospitalares se amplia, as tardias
medidas de quarentena cobram o preço do descaso, com doloroso destaque aos governos
da Itália, Espanha e Estados Unidos, ameaçando um defaut no
sistema de saúde.
De
um modo geral é possível observar uma forte adesão da população às medidas de
confinamento caseiro. Aqui na região da Paulista, e falo do meu pedaço,
considerando a rua Augusta e ruas adjacentes, todo o comércio e áreas de
serviços estão fechados, da padaria Bella Paulista ao restaurante Atenas,
passando pelo Center 3. Faço minhas compras principalmente no mercado a duas
quadras de casa e essa é a exceção de meu isolamento. Hoje foi dia de pagar as
contas e comprar legumes e água. Tenho feito minhas comidinhas, desfrutando
desse momento criativo. Uma vez a cada duas semanas fazemos a reunião do grupo
de pesquisa, agora à distância. Já ocorreu uma, a próxima, sexta-feira. Os
amigos entram em contato vez ou outra por imagem e todos os dias converso com
Moniquinha. Com meus pais e meus irmãos, falo de quando em quando, estão bem e
tranquilos. O isolamento é maior ou menor de acordo com a predisposição das
pessoas em ficarem segregadas.
Assim
preservo a saúde de modo seguro, minha e dos outros. Tenho o espaço da minha
casa para circular sem preocupação. Ao meu lado, uma pequena pilha de livros
selecionados que me acompanham daqui para lá, de lá para cá, Histórias Extraordinárias
de Poe; A Dimensão da Noite, de Lafetá; O Aleph, de Borges; Moby Dick, de
Melville; Aulas de Literatura, de Cortázar; o poema dramático Manfredo, de
Byron. Isso é hoje, talvez amanhã, mas nada garante que os livros serão lidos,
nem que outros não possam ser incluídos de supetão. Quero ainda enviar meu
romance para outro concurso mais, prêmio Leya, de Portugal, arrumar a casa e
deixá-la saborosamente habitável, preparar minha comida e descansar sempre que
possível. Lembrando Xavier de Maistre, essa tem sido a vida à roda de meu quarto, um
mundo de contínuas surpresas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário