21 abril 2020

Das coisas irrecuperáveis

Um abismo inconciliável

Falam muito sobre as mudanças que ocorrerão no comportamento das pessoas e do sistema econômico depois do retorno à normalidade. Primeiro que não sei mais se é possível estabelecer um patamar de normalidade neste momento. As pessoas retomarão suas vidas não sei se diferentes, mas certamente de outra maneira. Não sei se mais justas, mais humanas, mas sem dúvida mais saudosas de coisas mais substanciosas, que não valorizavam em suas vidas, como por exemplo, a saúde. Não sei se retornam com um espírito crítico mais aguçado, mas por certo terão menos paciência com a repetição de tolices. Não acredito que a política partidária recupere pontos, nem que a volta ao trabalho seja apreciada pelo prazer do reencontro com a vida cotidiana. Os amigos serão poucos e mais confiáveis.

Acredito que haverá mais pragmatismo nas decisões de cada dia, mais descrença nos arranjos do sistema econômico. A mídia corporativa prosseguirá em seu calvário de confiabilidade, agora envolvendo amplo espectro político, cada qual a alegar uma razão. Seja como for, nestes tempos de falsas notícias, perdeu o protagonismo da notícia. Em uma palavra, a ideologia como crença em valores políticos estará no limbo, será ainda mais difícil aglutinar propostas coletivas de ação que advenham da antiga concepção esquerda e direita. Serão poucos os que assumirão um compromisso de luta social abraçados a uma bandeira ideológica, que represente um projeto calcado na utopia de um processo histórico. O ensino público perderá sua frágil sustentação e será muito difícil recompor uma ideia de formação escolar pautada em um projeto de nação. Será difícil formar homens de temperança.

O Brasil submetido aos disparates desse capitão e sua turma de ignóbeis inconsequentes, deixou de ser uma nação, se é que um dia o foi; a quebra moral foi contundente, o fracionamento está à mostra, difícil de reconciliar, viveremos inseridos em “confederações” de práticas e costumes morais que nos deixarão rompidos com qualquer tipo de unidade. Na verdade, já debatia bastante algo nesse sentido em minhas aulas de sociologia; tomando a história do Brasil sempre me foi complicado explicar o que somos e como pudemos chegar até aqui. Nossa tradição autoritária e de violência nasce dentro de casa e se espraia como um vírus aprofundando a desigualdade, deturpando o bem-estar e a justiça social. Nunca nos preocupamos em discutir nossa miserabilidade abjeta, nunca nos demos a chance de construirmos uma sociedade com um propósito comum.


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