Um abismo inconciliável |
Falam
muito sobre as mudanças que ocorrerão no comportamento das pessoas e do sistema
econômico depois do retorno à normalidade. Primeiro que não sei mais se é
possível estabelecer um patamar de normalidade neste momento. As pessoas
retomarão suas vidas não sei se diferentes, mas certamente de outra maneira.
Não sei se mais justas, mais humanas, mas sem dúvida mais saudosas de coisas
mais substanciosas, que não valorizavam em suas vidas, como por exemplo, a
saúde. Não sei se retornam com um espírito crítico mais aguçado, mas por certo
terão menos paciência com a repetição de tolices. Não acredito que a política
partidária recupere pontos, nem que a volta ao trabalho seja apreciada pelo prazer
do reencontro com a vida cotidiana. Os amigos serão poucos e mais confiáveis.
Acredito
que haverá mais pragmatismo nas decisões de cada dia, mais descrença nos
arranjos do sistema econômico. A mídia corporativa prosseguirá em seu calvário
de confiabilidade, agora envolvendo amplo espectro político, cada qual a alegar
uma razão. Seja como for, nestes tempos de falsas notícias, perdeu o
protagonismo da notícia. Em uma palavra, a ideologia como crença em valores
políticos estará no limbo, será ainda mais difícil aglutinar propostas
coletivas de ação que advenham da antiga concepção esquerda e direita. Serão
poucos os que assumirão um compromisso de luta social abraçados a uma bandeira
ideológica, que represente um projeto calcado na utopia de um processo
histórico. O ensino público perderá sua frágil sustentação e será muito difícil
recompor uma ideia de formação escolar pautada em um projeto de nação. Será
difícil formar homens de temperança.
O
Brasil submetido aos disparates desse capitão e sua turma de ignóbeis
inconsequentes, deixou de ser uma nação, se é que um dia o foi; a quebra moral
foi contundente, o fracionamento está à mostra, difícil de reconciliar,
viveremos inseridos em “confederações” de práticas e costumes morais que nos
deixarão rompidos com qualquer tipo de unidade. Na verdade, já debatia bastante
algo nesse sentido em minhas aulas de sociologia; tomando a história do Brasil
sempre me foi complicado explicar o que somos e como pudemos chegar até aqui. Nossa tradição autoritária e de violência nasce dentro de casa e se espraia
como um vírus aprofundando a desigualdade, deturpando o bem-estar e a justiça
social. Nunca nos preocupamos em discutir nossa miserabilidade abjeta, nunca
nos demos a chance de construirmos uma sociedade com um propósito comum.
Nenhum comentário:
Postar um comentário