19 fevereiro 2020

Silêncio e expectativa no cinema

Resultado de imagem para intriga internacional
Cena de Intriga Internacional, de Alfred Hitchcock 

"O ato de se apreciar um filme remete à instância de captar a enunciação fílmica, o sujeito espectador é tomado pelo dispositivo cinematográfico, e conforme Jacques Aumont, “reencontra algumas circunstâncias e condições nas quais foi vivida, no imaginário, a cena primitiva”. O que pode significar esse reencontro? Pode ser a identificação com um certo personagem, com um sentimento que o envolve, com sua predisposição de voyeur, com uma impotência motora, etc. 

Estabelece-se, portanto, uma semiose entre a narrativa fílmica e o espectador, que apreende os signos verbais/visuais, decodificando-os para o nível de seu entendimento e compreensão. Uma vez que se parte do pressuposto simples de que o espectador se envolve com a trama narrativa e, especificamente com um personagem, é possível que se compreenda um “elo”, uma ligação entre personagem e espectador, traduzida pelo binômio ação-apreensão. 

Na impossibilidade deste “elo” ser fechado, mediante uma ausência de ação, um silêncio reflexivo de um impasse, uma expectativa imprevista que pode se estender por uma cena ou por todo um plano-sequência, a “ação suspensa no ar” cria uma ruptura da cognição sígnica, o que leva o espectador à espera/procura de sinais claros de resolução do impasse, projetando-se na inquietação do personagem. 

A partir de exemplos na filmografia mundial, será pertinente levantar a hipótese de que a contingência de uma ilusão (filme) reverbera a contingência real (espectador), ocorrendo o rompimento libertador (e a retomada do elo semiótico) na ação do personagem".

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Tenho especial consideração por este texto de quase 25 anos, apresentado em um congresso acadêmico na PUC em São Paulo. Começava meus estudos no curso de Comunicação e Semiótica e buscava ansiosamente por meu objeto de pesquisa, tateando aqui e ali. Tive pouca orientação sobre os conceitos teóricos da área, sabia muito pouco sobre semiótica e não tinha qualquer intimidade ou interesse na semiótica peirceana, o que me causou algum isolamento e grande dificuldade. 

A semiose francesa, greimasiana, me pareceu desde o início mais lógica, mais evidente para meu tema, o cinema, ainda mais depois do exuberante curso ministrado pela profa. Ana Claudia, que me fez compreender de maneira prática a construção pictórica do Renascimento italiano. Desejei por algum tempo aplicar tais conceitos no cinema, em imagens em movimento, e no texto-exposição acima, eu procurava as luzes para uma apreensão do silêncio, e assim provocar de alguma forma o espectador. 

O texto ilustrava a imagem que postei, uma sequência específica do filme Intriga Internacional (North by Northwest), construída em torno de uma percepção que instigava para além dos personagens e da ação esperada. Como nada ocorria, sucedia o silêncio que lançava o espectador à própria contingência existencial, "o que pode acontecer?". Sem dúvida havia mais Sartre e existencialismo do que Greimas. 


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