07 fevereiro 2020

Celso Furtado

Os diários de Celso Furtado

Em tempos de vulgarização do pensamento econômico, um livro fascinante, onde Furtado nos propõe o compromisso de pensar o Brasil em suas idiossincrasias tão características, enquanto se abre para a compreensão de um mundo que em sua dinâmica própria, pulsa ao redor.

Abaixo, um fragmento das reflexões que integram o livro.

Cambridge, 18.7.58

Acabo de escrever um livro praticamente novo sobre o desenvolvimento econômico do Brasil. Aproveitei só uns 15% do texto do livro anterior, e desenvolvi substancialmente a análise do século XIX e do período colonial. Usei bastante material de história econômica comparativa e me esforcei para dar uma ideia do processo geral de formação econômica do país. Sempre que na Cepal eu começava a estudar a economia de um país, procurava um livro que me desse uma ideia de conjunto do processo histórico que havia levado à situação atual. Quase nunca encontrei esse tipo de livro. Pois minha ideia foi escrevê-lo com respeito ao Brasil.

Buenos Aires, 21.9.60

Cada dia vou captando novos aspectos da crise profunda que afeta este país. Não posso deixar de lembrar-me do caso do Chile. Confirma-se a regra de que o estancamento econômico cria processos cumulativos de tensão social. Este é um país que se desenvolveu extraordinariamente em uma etapa anterior. Uma etapa não longínqua: que ainda está na memória de muita gente. Esta cidade extraordinária nos anos 1920 já era um dos principais centros da civilização ocidental. O padrão de vida médio aqui em nada seria inferior ao das grandes metrópoles da Europa Ocidental. No que respeita à classe alta nem é bom falar. Três decênios de corrosão não foram suficientes para abalar o edifício. O país está marcado por esse complexo de paraíso perdido. Repete-se por toda parte que o passado não pode ser restabelecido, mas no fundo não se busca senão isso. Tudo que se está fazendo conduz ao restabelecimento da velha estrutura social. 

Rio de Janeiro, 27.4.64

(...) Sinto-me um pouco como Édipo em Colono, vítima de uma fatalidade, mas com a paz no espírito. Minha grande paixão foi sempre o trabalho teórico. Agora terei que seguir nessa direção, pois não me resta outro caminho. Estou pensando em ir para alguma universidade no estrangeiro, quiçá nos Estados Unidos.  


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