De
quando em quando retomo um pequeno livro de um autor quase desconhecido por nós
brasileiros, Klaus Mann, para apreciar o estilo da escrita e sua inquietude
diante da opressão nacional-socialista. O opúsculo, traduzido diretamente do
alemão por Pedro Saraiva, chama-se Contra a Barbárie - um alerta para
os nossos dias, e possui impressionante relação com os abusos autoritários
que renascem pelo mundo e, em especial, aqui no Brasil.
Ainda
que Klaus Mann descreva a virulência do modo de ser nacional-socialista em seus desprezíveis propósitos, trata-se de um modelo de autoritarismo
que, instalado nos anos 1930 na Alemanha, continua exercendo fascínio a um
punhado de irresponsáveis que hoje ocupa o poder neste país, como pudemos ver
recentemente no comportamento de um patético secretário da cultura.
Sem
mais delongas, gostaria de reproduzir uma parte do primeiro texto do
livrinho, Cultura e bolchevismo cultural, escrito em Paris no ano
de 1933. Chamo a atenção para a quantidade de pontos que assemelham as práticas
políticas em desenvolvimento no desgoverno de Bolsonaro às orientações
políticas disseminadas logo no início da triste aventura nazista.
Cultura
e Bolchevismo cultural
por
Klaus Mann
"A
expressão 'bolchevismo cultural' é o instrumento de que se servem as forças que
hoje dominam a Alemanha para sufocar todas as produções intelectuais que se não
põem ao serviço das suas tendências políticas. (...) Para se ser bolchevique
cultural não tem, de resto, que se ter nenhuma relação com o bolchevismo,
normalmente nem se tem nenhuma. O que é necessário é estar relacionado com a
cultura, a qual é, por si própria, um motivo de suspeita. (...)
Mais importante do que tentar compreender o conceito de
'bolchevismo cultural', que é grotesco em consequência da sua total imprecisão,
é determinar todos os valores culturais que ele já 'destruiu' (...).
Limitar-nos-emos ao domínio puramente cultural. Nesta matéria, os novos
senhores parecem julgar-se muito habilitados, ou então, é a sua consciência
sobre ela que ainda é mais insensível do que nós julgávamos. (...)
Um dos domínios em que se intervém (...) é, evidentemente, o da
educação da juventude. É essencial não transmitir aos jovens cérebros e
corações senão o conhecimento dos ideais a que hoje se chama 'novos' - de forma
um tanto paradoxal porque, na realidade, são os mais antigos. (...)
O destino das grandes editoras liberais ou de esquerda parece
ainda não estar completamente decidido. Constitui excesso de otimismo supor que
vão poder continuar a existir. Não são, pura e simplesmente, interditas, mas
vão ser lentamente asfixiadas, o que não é melhor: os livreiros boicotarão a
sua produção, se é que não o estão a fazer. (...)
Já não existe imprensa alemã, toda a liberdade de expressão,
mesmo a mais modesta, é reprimida com um radicalismo notável (...). A grande
imprensa liberal está vendida ou, se isso ainda não tiver acontecido, é
obrigada a tocar a trombeta do fascismo. (...) Seja pelo que for, sucumbiu sem
oferecer qualquer tipo de resistência a uma morte pouco gloriosa e merecida. Os
jornais do governo mentem desde o princípio. Não há nenhum meio de informar as
pessoas. (...)
A rádio, que já não brilhava pelo seu progressismo, tornou-se o
instrumento de propaganda do regime. (...) O cinema é outro instrumento de
propaganda muito importante. (...) Parece que querem limitar a produção a
operetas e panfletos nacionalistas. Quando Goebbels citou - provavelmente por
inadvertência - O encouraçado Potemkim entre os filmes que podiam servir de
modelo, esta afirmação escandalosa foi subtraída à notícia do discurso
(posteriormente publicado). (...)
Não se recua sequer perante a profanação da música (...). O
repertório musical muda ao mesmo tempo que os maestros. Os compositores
considerados bolcheviques culturais (...) deixaram de ser apresentados. (...) O
que passa com a pintura não é, evidentemente, diferente do que se passa nos
outros domínios culturais. Também ali a palavra de ordem é: fim dos
experimentalismos, regresso aos bons velhos tempos (...). A Alemanha que
renasce tem um forte pendor para o kitsch. (...)
Vê-se que nada foi esquecido. Podíamos continuar a fazer esta
triste lista, da dança e da fotografia às artes decorativas e à cultura física.
A cultura e a política têm que ser 'dominadas' para usar outra expressão
favorita da nova Alemanha. (...) Resta saber quem é que vai sofrer com isso a
longo prazo. Se não estamos em erro, vai ser a própria Alemanha. Porque, como
todos sabemos, é mais fácil destruir do que construir.
Somos extremamente céticos quanto aos novos valores. Porque
neste caso não é 'um' espírito que luta contra outro espírito, é o antiespírito
que luta contra o espírito e, a menos que se dê um milagre, é ele que vai
ganhar."
Nenhum comentário:
Postar um comentário