Capa de Filosofia Ciência e Vida, número 156 |
A
sair nestes dias na revista Filosofia Ciência e Vida um longo
artigo meu sobre dois temas que me fascinaram há vinte anos e que se
complementaram em minha pesquisa de mestrado, Sartre e Luiz Sérgio Person. O
título, Sartre no Cinema: uma aplicação da fenomenologia sartreana no
filme São Paulo Sociedade Anônima. Meu esforço puro e simples foi
discutir o filme de Person sob a luz da fenomenologia sartreana. Ainda
hoje penso que a proposta ousada não foi devidamente explorada, seja do ponto
de vista cinematográfico - deixei de lado diversas e importantes questões
teóricas a serem analisadas - quanto do ponto de vista filosófico - poderia ter
aprofundado alguns conceitos existenciais que utilizei.
No
começo do texto publicado comento sobre os papéis avulsos encontrados em meus
arquivos, páginas e mais páginas de anotações das minhas leituras teóricas.
Embora metodologicamente tenha encontrado um caminho sustentável, faltou me
debruçar sobre tanto material recolhido e organizá-lo na pesquisa. Acerca de
interpretações sobre Sartre, são mais de vinte laudas datilografadas,
envolvendo Roquentin e Carlos, personagens de A Náusea e São
Paulo... respectivamente; o espaço urbano, no caso São Paulo e a
linguagem cinematográfica. Havia muito mais, de autores diversos, registros que
acabaram abandonados ou subutilizados.
De
todo modo, o artigo publicado na revista, consegue dar uma boa ideia sobre a
discussão. O texto se baseia em um capítulo de minha tese, com alguns
acréscimos introdutórios. Fiz uma boa revisão, que eliminou certas fragilidades
da argumentação e organizei um pouco mais o contexto urbano em que o filme se
dá, a São Paulo em transformação no final dos anos 1950 e princípios de 1960,
que coincide com o golpe de Estado de 1964. Também corrijo a análise das
personagens principais, Luciana, Hilda, Ana, Arturo, além de Carlos, o fio
condutor da narrativa fílmica, dando-lhes mais profundidade psicológica e
social.
Abaixo um trecho do artigo.
(...)
No meio de tantos fatos políticos que há tempos sacodem a
vida brasileira, acabei me envolvendo com uma pesquisa para a elaboração de um
texto que me foi solicitado por uma revista eletrônica. Decidi, então, retomar
a leitura sartreana sobre o intelectual moderno e sua responsabilidade social.
Seria essa a fronteira a ser desbravada, aspectos como a necessidade de ruptura
com a falsa universalidade de sua compreensão burguesa de mundo. A princípio,
enveredei pela leitura do opúsculo Em
Defesa dos Intelectuais, de 1965, e avancei na conferência Função do Intelectual. Busquei uma
relação com a farsa dos analistas contemporâneos, ditos intelectuais, que
forjam análises e métodos particularistas, em defesa de seus interesses
corporativos, e que são apresentados como posturas universalistas. São os
falsos intelectuais, como dirá Sartre, antes de tudo, uns vendidos.
Todavia ao aprofundar as leituras, os documentos que passei a
manusear modificaram completamente o objeto do tema pesquisado. Sabia que
dispunha de arquivos das minhas pesquisas de mestrado e para eles me dirigi.
Para minha agradável surpresa, encontrei uma pasta verde nomeada Projeto São Paulo Sociedade Anônima e em
seu interior, revolvi um mundo! Súbito retomei contato com anotações densas,
que realizei a partir de diversos textos de fenomenologia e existencialismo,
como por exemplo os apontamentos de toda a primeira parte do livro de Paulo
Perdigão, Existência e Liberdade,
onde ele faz uma análise muito didática de O
Ser e o Nada. As anotações preenchiam um caderninho, e havia muito mais.
Folheei um denso fichamento da obra mestra de Sartre, O Ser e o Nada. Registros valiosos cujos conceitos destacados certamente foram por mim incorporados na prática cotidiana dos últimos quinze anos, conceitos como a má-fé, transcendência, o homem sincero, temporalidade, reflexão - "Mas a reflexão pura continua a descobrir a temporalidade apenas em sua não-substancialidade originária; em sua negação de ser Em-si, descobre os possíveis enquanto possíveis, suavizados pela liberdade do Para-si, revela o presente como transcendente e, se o passado lhe aparece como Em-si, ainda é sobre o fundamento da presença"... - desdobrando as distinções do Para-si e do Em-si.
Folheei um denso fichamento da obra mestra de Sartre, O Ser e o Nada. Registros valiosos cujos conceitos destacados certamente foram por mim incorporados na prática cotidiana dos últimos quinze anos, conceitos como a má-fé, transcendência, o homem sincero, temporalidade, reflexão - "Mas a reflexão pura continua a descobrir a temporalidade apenas em sua não-substancialidade originária; em sua negação de ser Em-si, descobre os possíveis enquanto possíveis, suavizados pela liberdade do Para-si, revela o presente como transcendente e, se o passado lhe aparece como Em-si, ainda é sobre o fundamento da presença"... - desdobrando as distinções do Para-si e do Em-si.
Dentre outros apontamentos menores, retomei as anotações de As Ideias de Sartre, de Arthur Danto,
que se bem me recordo, ajudaram bastante como guia para adentrar o pensamento
da filosofia sartreana. Juntamente com as definições de vergonha, o absurdo,
angústia, desenvolvi, já tendo em vista a minha dissertação, uma aproximação
com Carlos, personagem principal de São
Paulo Sociedade Anônima, fio narrativo do drama existencial em que consiste
a obra fílmica realizada pelo cineasta Luiz Sérgio Person, de 1965.
No mesmo caderno de anotações, as ricas descrições de A Náusea, onde aí sim relacionei
diretamente as personagens centrais do romance e do filme, Roquentin e Carlos.
Destaquei, por exemplo, o conceito da temporalidade, no primeiro caso, "Revelava-se a verdadeira natureza do
presente: era o que existe e tudo o que não era presente não existia. O passado
não existia"... - e no segundo caso, "Carlos não encontra nada no passado e o futuro o assusta. O problema é
que faz do presente uma transição entre essas temporalidades - passado e futuro
- sem interferir, sem decidir-se por uma atitude que contemple o seu estado de
espírito, seu desejo e a sua falta"...
O reencontro com esses documentos escritos me animou a
organizar o presente artigo, aprofundando-me no prazer do reencontro da
filosofia com o cinema, permitindo-me uma breve aplicação de conceitos e
experimentações da fenomenologia sartreana a um dos mais belos filmes
brasileiros.
(...)
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