Relógio sem tempo, Pueyrredón, 2008
Convivi na minha
infância com seres humanos que me pareciam complexos e distintos. Frequentavam
a agência bancária que meu pai gerenciava imprimindo seus conceitos intuitivos
de gestão. Descobriria rapidamente que ambas as realidades eram falsas: aqueles
clientes estavam longe de se constituir em gente complexa e distinta, e meu pai
jamais teve a liberdade para aplicar suas qualidades inatas de gestor.
Quanto aos
clientes, eram adultos, masculinos, que se apresentavam em trajes formais –
terno e gravata como sugeria o figurino da época – e alguns exalavam um
desagradável olor com seus perfumes baratos. Pude acompanhar essa espécie de
procissão diária sem restrições, por ser uma criança que gostava de ficar no
cercadinho da gerência, próximo à mesa em que meu pai recebia essa gente.
Mostravam-se na
maioria das vezes simpáticos nos gestos e palavras, mas no fundo tinham
comportamentos fugidios, muito semelhantes em seus interesses, a busca pelo
naco de empréstimo que os aguardava no período do “milagre econômico”. Pequenos
e médios empresários, comerciantes da região, profissionais liberais, gente que
ao adentrar a agência se amesquinhava nos mesmos propósitos, no mesmo ritual
que conferiam os valores de cada demanda.
Tudo muito
corriqueiro, profundamente cansativo para o olhar de uma criança. O que se
tinha na mesa de negociações era um pedido relativamente simplório, atendido no
mais das vezes, o agradecimento pegajoso, o dinheiro na conta e no final do
ano, o agradecimento em forma de presentes natalinos, que enchiam a nossa sala.
Meu pai se submetia às cansativas consequências de uma vida pautada pelo
dinheiro.
Penso que foi o
grande momento dos bancos neste país, crescimento vertiginoso acobertado por
uma política econômica que estimulava o financiamento do que fosse a juros
baixos. De um lado, a soberba ingênua de um comportamento empresarial que dava
seus primeiros passos, amparado por uma falsa impressão de um capitalismo
inovador e idealizador, sonhos e desejos que sucumbiriam de maneira abrumadora
poucos anos mais tarde, na esteira das crises do petróleo.
No plano
pessoal, o momento exigiu um esforço hercúleo em sintonizar o equilíbrio do
corpo sob a voracidade das demandas insaciáveis do mercado financeiro em plena
expansão. Foram dez anos cheios, de 1964 a 1974, muito dinheiro, muitos afagos,
muita expectativa e a profunda destruição do caráter. Depois, o lento
esvaziamento dos empréstimos privados, o recuo dos índices mágicos do crescimento
econômico, o robustecimento das garras que hoje aprisionam e esfacelam o
indivíduo em nome da ideologia neoliberal.
Nada resta
daqueles tempos presumidamente áureos, e a falsa ingenuidade transformou-se em
imbecilidade. Da procissão dos tolos com suas artimanhas fúteis, não sobrou
poeira. Hoje, olho para bem perto e vejo meu pobre pai refletindo os fragmentos desse
tempo a partir de números desconexos, construindo dia após dia compromissos imaginários que se dissolvem no ar, como
se o corpo não conseguisse se desvencilhar das mazelas que o dinheiro fomenta.
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