Estalou o
que parecia impossível, uma imensa revolta popular no Chile, basicamente em
decorrência das condições indignas de vida sob o sistema neoliberal implantado
desde a derrubada de Allende. Ainda hoje se observam manifestações nas ruas,
com barreiras, cacerolaços, monturos de chamas, fumaça e corpos de carabineros
buscando reprimir com jatos d'água e bombas de gás lacrimogêneo. Os
manifestantes - e o que se percebe pelos vídeos são na maioria jovens -
circulam pelas avenidas sem se deixar encurralar;.se fazem presentes aqui e ali
e evitam os choques frontais. As ruas estão com aquela aparência desolada, o
comércio fechado, um tapete de pedras nas vias públicas e marcas de destruição
por toda parte, referências típicas da agitação insurrecional.
Fica
evidente que o grau de repressão, embora forte, não se compara com os tempos
brutais e assassinos de Pinochet, tempos em que havia uma cobertura completa do
Departamento de Estado e da CIA para os piores atos de violência. Piñera e seu
governo encontram-se numa sutil armadilha, que os aprisiona a cada movimento
mais brusco. As ofertas de negociação bem como a demissão de todo o ministério
parecem não ter arrefecido a indignação popular, consequência direta de um
torniquete que não parou de apertar desde os tempos do governo militar. Assim,
um doloroso impasse prossegue e se manifesta vivo nas ruas, sem que se tenha
qualquer expectativa de um final que aponte para uma resolução superficial dos
problemas. É sem dúvida um momento crucial para a governança neoliberal, um
xeque ameaçador como nunca se viu antes.
A
questão: como é possível retomar a normalidade da vida cotidiana? Quais
lideranças dos movimentos callejeros serão aceitas como
representantes da insurreição? Quais pautas serão discutidas? Não está claro
que o movimento esteja próximo do esgotamento, há uma força orgânica que
surpreende, por certo com forte participação de amplos segmentos da sociedade.
Pelas imagens, é possível depreender que Piñera e seu governo terão de ceder
muito para alcançar uma governabilidade sustentável. Dentro do processo
democrático estabelecido desde 1990, Piñera está de mãos amarradas, não poderá
agir com a truculência que vitimou mais de 3.000 mortes e desaparecimentos. Já
são reconhecidas 20 na contagem oficial (mais de 40 na contagem dos
manifestantes) e a tensão tende a aumentar com o passar dos dias.
Comento mais tarde a vitória peronista na Argentina.
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