13 dezembro 2018

O senhor Virgílio


Puerto Madero, Buenos Aires, 2016


De todos modos, aquella vertiginosa huida de las cosas y de los seres, del suelo y del cielo, le daba una suerte de poder.
Mario Benedetti, La muerte


O senhor Virgílio já havia considerado muitas hipóteses em sua escritura ficcional. Observou em inúmeros contos os diversos ângulos da vida e da morte, os transes psicológicos, personagens marcados pela serenidade, por gestos mensurados que os conduzia inapelavelmente à morte, ou na melhor das hipóteses, até serem superados ou descaracterizados pelos fatos. 

E chegou o dia em que foi ele mesmo surpreendido pela finitude anunciada por seu médico. Foi uma simples leitura dos exames realizados, nenhum drama, apenas um comentário simples e direto. O senhor Virgílio ouviu até o fim, não tinha perguntas, não quis saber do tempo restante, apenas considerou a possibilidade de sair logo dali, passar pelo balcão de atendimento, tomar o elevador e ganhar as ruas.

Uma vez sob a luz da tarde, considerou vagamente as variantes para compor o restante dos dias. Não se incomodou em considerar com mais propriedade o tema recorrente de seus textos existenciais, a perda da consciência. Houve tempo em que a perda momentânea diante do sono o incomodava, deixando-o ansioso em sua vigília até que o alvorecer o rendia suavemente, conduzindo-o à suspensão dos pensamentos. 

Ao despertar horas mais tarde, se dava conta do alívio reconfortante em retornar, quando então não sentia qualquer incômodo em permitir suas reflexões amortecerem e mais uma vez suspender o juízo do mundo. Fora sempre assim, nas pequenas cirurgias que realizou, nas manhãs sonolentas que retornava a si. A passagem de uma ausência de consciência era, por fim, superada com satisfação.

Ocorre que agora se colocava diante do drama profundo da vida, o fim absoluto da consciência em um derradeiro sopro de existência. Caminhando ao sabor do acaso, constatava o ritmo sonoro com apreensão cuidadosa, a fala das pessoas, sons e ruídos articulados ao esforço pessoal de cada um e que perdia o sentido de urgência. 

As imagens se processavam e aos poucos se distorciam em si mesmas, dissolvendo o valor das coisas. O senhor Virgílio apagava-se diante dos códigos urbanos, alimentando delírios imprecisos. Circulou por tempo indefinido, esquivando-se fragilmente de um mundo conhecido e alheio a suas novas demandas, que não mais reconheciam perguntas ou respostas.


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