Puerto Madero, Buenos Aires, 2016 |
De todos modos, aquella vertiginosa huida de las cosas y de los seres, del suelo y del cielo, le daba una suerte de poder.
Mario Benedetti, La muerte
O senhor Virgílio já
havia considerado muitas hipóteses em sua escritura ficcional. Observou em
inúmeros contos os diversos ângulos da vida e da morte, os transes
psicológicos, personagens marcados pela serenidade, por gestos mensurados que
os conduzia inapelavelmente à morte, ou na melhor das hipóteses, até serem
superados ou descaracterizados pelos fatos.
E chegou o dia em que foi ele mesmo surpreendido pela finitude anunciada por seu médico. Foi uma simples leitura dos exames realizados, nenhum drama, apenas um comentário simples e direto. O senhor Virgílio ouviu até o fim, não tinha perguntas, não quis saber do tempo restante, apenas considerou a possibilidade de sair logo dali, passar pelo balcão de atendimento, tomar o elevador e ganhar as ruas.
E chegou o dia em que foi ele mesmo surpreendido pela finitude anunciada por seu médico. Foi uma simples leitura dos exames realizados, nenhum drama, apenas um comentário simples e direto. O senhor Virgílio ouviu até o fim, não tinha perguntas, não quis saber do tempo restante, apenas considerou a possibilidade de sair logo dali, passar pelo balcão de atendimento, tomar o elevador e ganhar as ruas.
Uma vez sob a luz da
tarde, considerou vagamente as variantes para compor o restante dos dias. Não
se incomodou em considerar com mais propriedade o tema recorrente de seus
textos existenciais, a perda da consciência. Houve tempo em que a perda
momentânea diante do sono o incomodava, deixando-o ansioso em sua vigília até
que o alvorecer o rendia suavemente, conduzindo-o à suspensão dos pensamentos.
Ao despertar horas mais tarde, se dava conta do alívio reconfortante em retornar, quando então não sentia qualquer incômodo em permitir suas reflexões amortecerem e mais uma vez suspender o juízo do mundo. Fora sempre assim, nas pequenas cirurgias que realizou, nas manhãs sonolentas que retornava a si. A passagem de uma ausência de consciência era, por fim, superada com satisfação.
Ao despertar horas mais tarde, se dava conta do alívio reconfortante em retornar, quando então não sentia qualquer incômodo em permitir suas reflexões amortecerem e mais uma vez suspender o juízo do mundo. Fora sempre assim, nas pequenas cirurgias que realizou, nas manhãs sonolentas que retornava a si. A passagem de uma ausência de consciência era, por fim, superada com satisfação.
Ocorre que agora se
colocava diante do drama profundo da vida, o fim absoluto da consciência em um
derradeiro sopro de existência. Caminhando ao sabor do acaso, constatava o ritmo sonoro com apreensão cuidadosa, a fala das pessoas, sons e ruídos articulados ao esforço pessoal de cada
um e que perdia o sentido de urgência.
As imagens se processavam e aos poucos se distorciam em si mesmas, dissolvendo o valor das coisas. O senhor Virgílio apagava-se diante dos códigos urbanos, alimentando delírios imprecisos. Circulou por tempo indefinido, esquivando-se fragilmente de um mundo conhecido e alheio a suas novas demandas, que não mais reconheciam perguntas ou respostas.
As imagens se processavam e aos poucos se distorciam em si mesmas, dissolvendo o valor das coisas. O senhor Virgílio apagava-se diante dos códigos urbanos, alimentando delírios imprecisos. Circulou por tempo indefinido, esquivando-se fragilmente de um mundo conhecido e alheio a suas novas demandas, que não mais reconheciam perguntas ou respostas.
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