07 maio 2018

Don Carlos Jorquera

Carlos Jorquera lendo no Las Lanzas

Todas as vezes que o ouvi, em depoimentos sobre os últimos momentos do governo da Unidade Popular, suas palavras terminavam embargadas por uma emoção que o tempo não conseguiu consolar. Ao descrever o La Moneda sob ataque, e mais ainda, Salvador Allende em sua última alocução ao povo chileno, demonstra sua profunda lealdade ao presidente constitucional.

Curiosamente na semana que passou assisti a vídeos que ainda não conhecia sobre os acontecimentos que antecederam e que foram posteriores ao 11 de setembro de 1973. A tibieza do golpe não foi capaz de eliminar a sensatez dos homens e mulheres que foram escorraçados do poder, e minha alegria não cessa em constatar os semblantes sempre iluminados pela convicção das palavras. De outra parte, é sempre difícil lidar com a arrogância discursiva dos golpistas, a justificar a intervenção militar. 

Na sexta-feira, 4 de maio, a voz de Carlos Jorquera, secretário de imprensa do governo Allende, calou-se para sempre. No sábado, dia 5, em triangulações nas redes sociais, deparei com um breve comunicado de sua filha, Alejandra Jorquera, publicada no twiter, "Há pouco morreu meu pai e não sei o que dizer, salvo que às vezes a vida é uma m..., e que apesar de todos os esforços, não consegui chegar a tempo para darmos todos os beijos que nos faltaram".

Don Carlos Jorquera fazia parte de uma linhagem de políticos dignos, cuja competência profissional incorporava sofisticação intelectual, muito diferente da estupidez dos políticos neoliberais de hoje, por demais preocupados com suas ganâncias. Ele se soma a um elenco de personalidades que me marcaram e que jamais terei o prazer de um cumprimento pessoal, seja no restaurante Las Lanzas ou em outro local público de Santiago. Consola-me o fato de que suas lágrimas resultam das certezas indeléveis de sua luta, tão bela quanto imprescindível.


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