01 abril 2018

Primeiro de abril, 54 anos depois

Ernesto de la Cárcova, Desocupados 

Estamos anos-luz do malfadado golpe militar de 1964 e não obstante, muito próximo de suas peculiaridades, exarando a convicção de que nossa sociedade nada aprendeu. A truculência que os tanques exibiram nas ruas naquela ocasião foi substituída pela sutilidade das decisões nos salões congressuais e nas cortes jurídicas. No mais, os atos são retomados com a mesma brutalidade e intolerância por parte de grupos proto-fascistas, oriundos da mesma classe média ignara, que persiste em funcionar como correia de transmissão dos interesses dominantes. Estes, por sua vez, permanecem praticamente os mesmos, o grande capital transnacional, o empresariado industrial e ruralista, amparados pela narrativa midiático-corporativo. No lugar da igreja católica, uma presença considerável de lideranças evangélicas e claro, e como destacado no começo, no lugar da força militar, uma falsa legitimidade instaurada por votações no Congresso e pela sutileza nas decisões das cortes jurídicas, comandadas por uma primeira instância de Curitiba.

Fortemente entrelaçados, essas instâncias da vida civil abafaram o descontentamento das classes trabalhadoras, ignorando qualquer movimento que surgisse desses setores. Como já discutido neste blogue, a virulência e principalmente a determinação contra a normalidade institucional do país, vindos do executivo, legislativo e judiciário, demonstra que seus atos foram "pensados e desenvolvidos" por forças ideologicamente muito bem estruturadas, e porque não dizer, de origem forânea. Grupos de estudos e reflexão pautados por um liberalismo virulento, com forte ascendência e circulação nas classes dominantes deste país, decerto deixaram um contributo decisivo, eliminando os cuidados que sempre pautaram a política congressual. Alguns desses agentes reverberam de maneira agressiva, como o empresário Flavio Rocha, da Riachuelo, ligado ao artificial Movimento Brasil Livre (MBL), ou João Dória, empresário-prefeito de São Paulo, que na mesma linha do ultraliberalismo, pretendem sepultar quaisquer vestígios do Estado do bem-estar social. Tais figuras, acrescidas ao malfadado capitão Bolsonaro, tratam de fazer terra-arrasada com o sentido da prática política, tal como a conhecemos desde o surgimento da Teoria Política moderna, com Maquiavel, Bodin, Hobbes, dentre outros. 

O que paira é a incerteza do que virá até outubro de 2018. As idas e vindas do processo político parece mais disforme que em 1964, vale dizer, em ondas dispersas e fluidas são tomadas decisões pelas cúpulas no poder, fortemente suscetíveis aos interesses dominantes. Em outras palavras, os atos institucionais impostos a partir de 1964 pela cúpula militar reaparecem com tons e formatos diversos, ainda que preservem os mesmos sentidos autoritários. Com isso, um novo AI-3 pode ressurgir com o julgamento no STF do ex-presidente Lula nesta semana e pelo eventual afastamento do corrupto Temer, trazendo por caminhos distintos a hipótese de eleições indiretas nacionais, o que significaria, sem subterfúgios, a consolidação do processo de golpe institucional, e muito mais do que isso, um desastroso retrocesso sócio-político-econômico.


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