Apoiando
esse processo com ares kafkanianos, a tropa unida da mídia corporativa galopa em planícies verdejantes, comandada pelas organizações Globo, sendo secundada pelos pistoleiros de sempre, o empresariado politicamente medíocre; lideranças neo-pentecostais gananciosas; um congresso vergado pela inépcia; um judiciário envergonhado pela omissão e sem dúvida nenhuma, toda essa tropa amparada em esquema com forte orientação ideológica vinda de corporações
estrangeiras. Digo isso porque esse exército Brancaleone, por si só, seria incapaz de proceder golpismo tão bem-sucedido. No final das contas, essa imensa engrenagem avança solene e irredutível rumo ao horizonte de seus interesses. E neste momento, nada irá detê-la, nem mesmo a grandiosa
mobilização em Porto Alegre, que será importante como oposição ao processo
histórico vergonhoso em andamento, porém sem o poder necessário para se impor.
Tudo
isso porque o povo brasileiro não está organizado para uma forte e prolongada
resistência. A ruptura primeva do caráter nacional, ocorrida a partir do golpe militar de 1964, demoliu seus ímpetos nacionalistas. O grande déficit, que não será discutido aqui, está na formação política. Na Argentina, em dezembro passado, houve uma reação fortíssima
contra a sessão que promoveu reformas na previdência, em cenas dramáticas de embates diante do Congresso, e nenhuma comoção mundial se posicionou junto ao povo
em luta. São tempos permissivos de hipocrisia e traição. São tempos em que os movimentos
sociais estão na defensiva, ao contrário das forças invisíveis do
mercado, que marcham alucinadas com base no poderoso caballero, el
don dinero, impondo sua ideologia financeira, não importa o preço a pagar.
A
transformação na sociedade, alardeada pelos meios corporativos, jamais
visou a ordenação moral via extinção das práticas de corrupção. Ao contrário, esta se
instaura como moeda de troca para as tais transformações, que têm
como objetivo jogar a nação ao solo, humilhada e ofendida, demolindo as
conquistas sociais alcançadas e a estrutura econômica que se edificava. Se os negócios financeiros estão em alta, temos a brutal contrapartida que não aparece nas planilhas contábeis dos lucros: a febre
amarela voltou, estamos com 15 milhões de desempregados, a educação superior
gradativamente transformada em curso técnico de pouca qualidade, os direitos
trabalhistas destroçados, a previdência pública condenada, transformando a aposentadoria em benefício de luxo para os trabalhadores. O esforço
discursivo das hordas dominantes procura demonstrar a normalidade das coisas,
como se o mundo real não fosse mais do que a atmosfera de um mundo secundário,
e o mundo secundário das telinhas a verdadeira realidade, praticada nos longos
deslocamentos do transporte público.
É
por estarmos justamente investidos em um game sem fim, órfãos
de informação e acovardados em nossa ignorância política, que vejo o julgamento
desta manhã como um acontecimento impactante, ao mesmo tempo que condenado ao
doloroso silêncio do day after, dominados por analises caricatas do "jornalismo"
hegemônico. Toda essa carga de pessimismo, porém, não significa abandono ao quietismo. As mobilizações sociais em andamento são
significativas, nas ruas e nas redes digitais, e embora careçam de densidade neste momento para alterar o
resultado, sinalizam o otimismo de um futuro inquieto, de lutas. Lutas que
serão travadas em sucessão, e se tivermos capacidade para acumularmos humildade e determinação, seremos capazes de
colocar em xeque esse sistema econômico e político que nos entorpece.
Colocar
em xeque significa retomar a iniciativa, pela sociedade como um todo. As hostes
vinculadas ao mercado não conseguirão sustentar a vitória com base na profunda
desigualdade social. O engodo midiático tem data marcada para ser desmascarado,
se no íntimo das pessoas já não o foi, e a ideologia do trabalho ignóbil, como
se demonstrou no passado, será fortemente combatida. Será novamente pela
cultura que anteciparemos os signos dos novos tempos. A essa altura, parece-me sugestivo lembrar de uma poetisa soviética, Olga Berggolts, que
descrevendo seu desprezo pelo invasor nazista, manteve acesa a chama da
esperança, anunciando a cada verso o modo de enfrentar o inimigo. E foi o
momento de maior desconsolo que inspirou a luz da vitória:
"Naquele inverno, a morte olhou-nos diretamente nos olhos e
fixou-nos longamente, sem vacilar. Queria hipnotizar-nos, tal como uma cobra
constritora hipnotiza a sua vítima, privando-a de vontade e dominando-a. Mas
aqueles que nos mandaram tanta morte calcularam mal. Subestimaram a nossa fome
voraz de vida".
Que ao menos nos valha o valente sentido simbólico dessas palavras.
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