Il Mantello, desenho de Francesca Tancini |
Realizo, agora ao final das férias
escolares, mais uma tradução de Dino Buzzati, o pequeno conto Il
Mantello, que em espanhol é A Capa, e em português, O
Capote. Trata-se de um texto que me emociona todas as vezes que o leio, não
só pela trágica beleza de sua arquitetura, como pela surpresa irremediável de
seu final. Os contos de Buzzati compõem, ao meu ver, as partes distintas de um
mosaico que simboliza a vida humana. Os desenlaces em aberto desvelam a
carga de incertezas, e porque não dizer, as incompletudes íntimas em face do
futuro, ou da ausência dele, o vazio desconhecido preenchido pela morte. Ao
contrário do que as leituras de linhagem fenomenológica nos propõem, Buzzati
permanece amparado pelas ambiguidades dos sentimentos, que transferem a autoridade sobre nossos destinos ao indecifrável acaso, o que faz com maestria
e é necessário admitir, envolvendo-nos emocionalmente.
O que modifica são as situações ao longo
das narrativas, que podem estar mais ou menos próximo do nosso desfecho
imponderável. Assim ocorre em sua obra mestra, O Deserto dos Tártaros,
em que o enfrentamento tão longamente esperado se dá como metáfora do destino
de Giovanni Drogo. Em Os Sete Mensageiros, conto traduzido aqui
neste blog, o jovem filho do rei narra, em primeira pessoa, o afastamento do
reino em busca de seus confins na companhia de sete mensageiros, os quais envia em
tempos determinados para portar e receber notícias, até o momento em que eles se tornam inúteis pelo tempo que levam para ir e regressar.
No texto Sete Andares, Dino Buzzati nos apresenta claramente o desfecho da vida a partir de uma internação aparentemente sem consequências, cujo drama passa a ser a descida para os andares mais baixos, das pessoas mais enfermas. Sua descrição final talvez seja uma das mais perfeitas impressões sobre o que seja a morte. Em Algo havia ocorrido, temos o relato inicialmente vago, mas que ganha contornos mais dramáticos de uma certa ocorrência imprecisa, aparentemente grave, percebida na reação das pessoas em função do avanço de um trem expresso.
Com sua obra Naquele exato momento, dei vazão ao meu desejo por novas leituras de Buzzati. Trata-se de um conjunto de pequenos relatos, segmentados à proporção em que alcança o propósito de descrever um singelo acontecimento. A beleza se esparge, está aqui, ali, de modo irregular, os cortes narrativos, a quebra de expectativa, breves impressões desenvolvidas em outros textos, o que é comum em trabalhos assim, onde a compilação expressa o resultado irregular de ideias acumuladas e interrompidas. Ainda assim, é possível apreciar o estilo muito particular, caracterizado por uma poética da incompletude humana.
No texto Sete Andares, Dino Buzzati nos apresenta claramente o desfecho da vida a partir de uma internação aparentemente sem consequências, cujo drama passa a ser a descida para os andares mais baixos, das pessoas mais enfermas. Sua descrição final talvez seja uma das mais perfeitas impressões sobre o que seja a morte. Em Algo havia ocorrido, temos o relato inicialmente vago, mas que ganha contornos mais dramáticos de uma certa ocorrência imprecisa, aparentemente grave, percebida na reação das pessoas em função do avanço de um trem expresso.
Com sua obra Naquele exato momento, dei vazão ao meu desejo por novas leituras de Buzzati. Trata-se de um conjunto de pequenos relatos, segmentados à proporção em que alcança o propósito de descrever um singelo acontecimento. A beleza se esparge, está aqui, ali, de modo irregular, os cortes narrativos, a quebra de expectativa, breves impressões desenvolvidas em outros textos, o que é comum em trabalhos assim, onde a compilação expressa o resultado irregular de ideias acumuladas e interrompidas. Ainda assim, é possível apreciar o estilo muito particular, caracterizado por uma poética da incompletude humana.
Haveria mais o que dizer e seria maravilhoso prosseguir, porém, me detenho no entusiasmo das considerações pessoais e ofereço os primeiros parágrafos, prometendo o texto integral nas próximas postagens.
-0-
O
Capote (trecho) Dino Buzzati
"Ao cabo de uma interminável espera, quando a esperança começava a fenecer, Giovanni regressou a casa. Ainda não eram duas horas, sua mãe estava arrumando a mesa, era um dia opaco de março e voavam os corvos.
"Surgiu de improviso no umbral e
sua mãe gritou, 'Ah, bendito seja', correndo a abraçá-lo. Também Ana e Pedro,
seus dois irmãozinhos se puseram a gritar de alegria. Havia chegado o
momento esperado durante meses e meses, com tanta frequência entrevisto nos
doces sonhos do alvorecer, que restabeleceria a felicidade.
"Ele nada disse, tendo suficiente trabalho para reprimir o choro. Acomodou em seguida o pesado sabre em uma poltrona, na cabeça portava ainda o gorro de pelo. 'Deixa que te veja', dizia entre lágrimas a mãe, recuando um pouco, 'deixa-me ver como estás bonito, mas que palidez...'
"Estava realmente um tanto pálido e desgastado. Tirou o gorro, avançou até o meio da sala, sentou-se. Que cansaço, que cansaço, até sorrir lhe parecia custoso." (...)
(Extraído e traduzido da coletânea em espanhol, Los Siete Mensajeros y otros relatos, Madrid, Alianza Editorial, 1996)
(Texto da postagem modificado em 29.07.2017)
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